quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Resenha: Sete Anos: Crônicas

Resenha: Sete Anos: Crônicas, de Fernanda Torres
Agosto de 2015

Me perdoem os religiosos, mas eu, quando piso num teatro, desde o primeiro passo até subir de fato ao palco, aquele clima, a penumbra, o silêncio, sinto algo parecido com o que deve sentir alguém que adentra um templo sagrado. Aquilo pra mim é sagrado. É um espaço sagrado, carregado da emoção dos que já passaram por ali e deixaram sua arte, e da emoção de cada um que já se entregou a um espetáculo que se passou ali dentro. Carregado da minha própria emoção de estar ali e de me transformar em uma artista verdadeiramente plena quando subo no tablado. A energia que rola ali, seja num teatro vazio e receptivo ou num teatro lotado e cheio de expectativa, é linda. Linda. Forte e linda. Todo teatro é sagrado.

Digo isso porque li muitas passagens desse livro de Fernanda Torres com um respeito, uma sensação de irmandade e de acolhimento tamanhos, uma sede tão grande de saber como é toda essa experiência de artista pra ela, como é cada detalhe, cada vivência, cada experiência, de saber como é a pessoa Fernanda, enfim. Considero-me uma eterna aprendiz. E por mais que se saiba nessa vida, sempre, sempre existe algo mais a se aprender. Sempre. E não me decepcionei, de maneira alguma, com essa segunda obra dela. Até porque não faz muito sentido, para mim, comparar um romance com um livro de crônicas, ainda que o autor seja o mesmo. São trabalhos diferentes, processos diferentes, metas diferentes e, quem sabe, públicos diferentes.

Fernanda se revelou, acima de tudo, extremamente humana, extremamente coerente com o trabalho que realiza como atriz, extremamente sensata e lúcida. Há tempos admiro-a imensamente. E está claro que não é só pelo seu humor bárbaro.

Fernanda nos leva, com muita personalidade e inteligência, a uma viagem incrível pelo que era o cinema brasileiro na década de oitenta e a partir de então, narra memórias preciosas, contatos com personalidades consagradas, passa pela política, pela preocupação com a criação dos filhos, pela dolorosa perda do pai, pela admiração pela mãe que vai além da atriz excepcional que é Fernanda Montenegro, e domina página a página. Por vezes nos vem com tiradas do tipo "O novo gênero livrou o cinema da obrigação de causar ereções" e afins, neste caso referindo-se às pornochanchadas. O capítulo "Leila" então, é maravilhoso, de um delicioso humor sutil que pode escapar aos menos atentos.

E se há qualquer espécie de misoginia envolvida nessa história, acredito que pode ter sido algo que ela incorporou automaticamente, através do grupo de atores e artistas com quem ela convivia então, e ao seu estilo próprio de humor, e não algo velado e intencional.

Apenas duas frases escritas por ela me incomodaram um tanto:

"A posição de vítima é, por conquista, da mulher."
"A insegurança nasceu com o teatro."

No mais, leiam e tirem suas próprias conclusões. Por mim, Fernanda leva quatro estrelas. Com louvor.


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