segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Cum Laude

"Cada um sabe a dor e a delícia
de ser o que é."

Na maioria dos estados da América do Norte e em algumas instituições do Brasil a expressão em latim "Cum Laude" é usada para destacar e reconhecer, no ato de sua formatura, estudantes que alcançaram excelente nível durante seu desenvolvimento acadêmico. É o equivalente a dizer que certa pessoa se formou com honra, com merecimento. Da maneira como três de meus irmãos se formaram, cada um em sua área. Pois bem, vamos falar um pouco sobre merecimento.

Corre por aí um certo pensamento, não de todo equivocado, que afirma sermos merecedores de tudo aquilo que nos acontece de bom ou de mau. O que existe de melhor nesse tipo de pensamento, na minha opinião, é tirar a responsabilidade por nossas conquistas e nossa felicidade das mãos de uma providência divina qualquer, e devolver ao homem o poder de, ele mesmo, batalhar e alcançar bons resultados através de seu próprio esforço e merecimento. Até aí, excelente. Outra coisa que acabo inevitavelmente considerando nesse cenário, uma vez que fui espírita kardecista por mais de dez anos e, apesar de me declarar hoje agnóstica, mantenho grande parte dessa doutrina como base dos meus pensamentos, ações e motivações, é o que poderíamos chamar, para facilitar, de “karma”. A Doutrina Espírita tem como base a evolução pessoal e social, e a responsabilidade que cada um tem por si mesmo e por seu próprio desenvolvimento em todo esse processo. Além de estimular, sempre e fortemente, o auxílio no desenvolvimento de outras pessoas. Aqui também existe a noção de que, para toda ação, existe uma reação correspondente. Tudo o que se faz de bom ou de ruim acarreta, aqui mesmo ou em uma possível vida futura, suas devidas consequências. Acredito muito nisso, especialmente no que tange à vida que estamos vivendo agora, neste exato minuto.

Acontece que nem tudo está fatalmente, e facilmente, atrelado à nossa vontade, ou à força de nosso trabalho. O que dizer das pessoas com alguma doença terminal, e que sempre levaram uma vida correta, ética, justa e bonita, como minha mãe levou até o final? Alguém vai me dizer que o câncer foi uma escolha dela? Foi algo pelo qual ela batalhou, ou algo que de alguma forma ela mereceu? Todos os doentes terminais, todas as pessoas na fila da hemodiálise ou à espera de um órgão para ser doado, todo o sofrimento dessas pessoas e de suas famílias, foram escolhas? Quero aqui deixar de lado o “karma” e trabalhar somente com aquilo que podemos de fato provar. Tragédias e doenças terminais seriam, então, uma opção? Deficiências físicas ou mentais são uma opção? São uma escolha? Tsunamis e terremotos arrasando cidades e países inteiros são uma escolha? Aquele garotinho imigrante morto na areia da praia estava lá por opção própria? Toda a fome e sede nos países mais pobres, e mesmo no Brasil, foi uma escolha de todas as pessoas que passam por essa situação? Alguém desesperadamente condenado a uma cadeira de rodas pelo resto da vida, ou à falta de um membro qualquer, o fez por opção? O físico teórico e cosmólogo britânico Stephen Hawking escolheu estar preso àquele estado? Todas as pessoas que atravessam problemas psicológicos e patológicos como fobias, Síndrome do Pânico, Transtorno Obsessivo Compulsivo, Transtorno Bipolar, Transtorno de Personalidade Borderline, Esquizofrenia, todas essas pessoas simplesmente optaram por sofrer dessa maneira e fazer sofrer junto toda a sua família, relacionamentos afetivos e amigos? Uma forte depressão que se atravessa, ou com a qual se luta bravamente para não ceder, é uma escolha? Seriam todas essas coisas simples opções de vida, facilmente modificáveis e tratáveis, feitas apenas por diversão, ou por falta do que fazer?

Acredito, sim, que para toda ação existe uma reação. Mas quanta coisa foge ao nosso controle? Somos infinitamente pequenos e frágeis, e o poder de controlar a vida, o planeta, o universo, não é nosso. Esse poder infelizmente não nos foi dado. Nossa responsabilidade vai até certo ponto. Mas não, muitos, mas muitos acontecimentos nessa nossa vida não foram por uma escolha nossa. Existem certos limites. Melhor dizendo, somos incrivelmente limitados, ainda. Ninguém, ninguém sabe o que é estar no lugar do outro, no olho do furacão que é o outro, passando pelas dores que o outro passa. Ninguém sabe como ou por que determinada pessoa chegou àquele estado, e ninguém sabe da grandeza da luta íntima de cada um. Cada um sabe de si, apenas. Cada um sabe o peso e a dor do fardo que carrega. Portanto, um pouco de respeito e empatia em relação a alguém que está passando por uma dificuldade qualquer, esse ato bonito de procurar se colocar um pouco no lugar do outro, e de procurar compreendê-lo é, no mínimo, mas no mínimo, de bom tom. De bom senso. É um dos maiores atos de humanidade a que alguém pode se prestar. Nesse caso, sim, eu diria que a pessoa está passando pela vida com louvor. Cum LaudeSumma Cum Laude. Basta olhar para o lado. Basta se importar.

Ouvindo: Partido Alto, Chico Buarque.
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