quarta-feira, 16 de julho de 2014

Sobre a escolha da arte como o caminho que nos dá sentido

Estava conversando com a Amanda, minha ex-aluna de dança e hoje escritora e estudante de Letras, sobre as dificuldades implícitas na escolha da arte como o caminho que nos dá sentido, aquele pelo qual vale a pena seguir lutando e vivendo. Confesso que, há exatamente um ano e meio, eu abdiquei de uma escolha que tinha feito há quatorze anos atrás: a de ser professora de dança. Decidi nunca mais voltar a dar aulas outra vez. Não de dança. Mas isso envolveu muitas outras questões, todas elas muito complexas, muito pessoais e muito práticas. Questões delicadas de saúde envolvidas. Criei um atalho, adaptei esse meu caminho, sim, abracei com muita coragem essa minha capacidade de mudar tudo, de ser capaz de virar tudo do avesso aos trinta e sete anos de idade, e de seguir acreditando, firme. A dança sempre vai estar na minha vida. A arte, em todas as suas formas e expressões, sempre vai estar na minha vida, entrelaçada com a minha maneira de ser, como se fôssemos, na verdade, uma coisa só. Isso é muito forte na minha vida, e preciso respeitar isso. Preciso, sobretudo, respeitar a mim mesma, a minha maneira de ser e de me expressar nesse mundo.

Estávamos, eu e Amanda, conversando sobre literatura, e sobre a dificuldade que é seguir esse caminho, e se divulgar, e conquistar algum tipo de reconhecimento. Conversamos coisas que eu não gostaria de manter só pra nós duas, então disponibilizo aqui pra quem quer que possa demonstrar interesse no assunto. Eu disse a ela, então, o que todo mundo que está nesse meio sabe muito bem: é sempre assim. É uma luta, mesmo. Uma batalha de verdade. Mas sempre vai valer a pena se você acredita no caminho que você escolheu. Antes de mais nada, a gente escreve pra se expressar, é uma maneira de viver, ou até mesmo de sobreviver nesse mundo difícil. Estava conversando sobre isso mesmo, alguns dias atrás, com um amigo querido, o Julian Gallo, um escritor americano que também passa por problemas até hoje, mas que encontrou o caminho dele, e já tem o público fiel dele. Um dos tópicos que nós discutimos foi reconhecimento e publicação do nosso trabalho. Ele disse mais ou menos o seguinte, e concordei muito: 

"Escritores escrevem, não importa o que aconteça. Coloca-se muito valor no ato de publicar uma obra, como se fosse uma espécie de 'validação' do nosso trabalho, e para mim não é isso o que realmente 'valida' o trabalho de alguém. O que valida é o próprio ato de escrever, de concluir o que você começa, e de fazê-lo porque você sente que você precisa. Como um pintor ou um músico. Eu sempre argumentei que, se um pintor pinta, mas nunca expõe seu trabalho, ele vai deixar de ser um pintor por causa disso? Se um músico toca só para ele mesmo, ele não é ainda um músico? É difícil se manter atento a esse ponto de vista no mundo de hoje, porque estamos influenciados demais pelo vírus da 'celebridade'. É uma pena / vergonha também, porque existe um monte de gente aí fora que já é exatamente aquilo que aspira ser, e não se dá conta."

Somos escritores, somos artistas, quer estejamos sendo, no momento, muito lidos, vistos, apreciados e valorizados, ou não. É o caminho que a gente escolheu, é ele que dá sentido à nossa vida e é nele que vamos continuar. Não se escolhe ser artista. Nasce-se artista. É impossível abdicar disso. Ontem mesmo estávamos conversando sobre algo parecido no encontro com a Cristina Machado, diretora da Cia. de Dança Palácio das Artes, aqui no Centro Cultural Usiminas, em Ipatinga. Digo que é parecido, porque no meio artístico isso é algo generalizado, afeta tanto quem trabalha com dança quanto com teatro, música, pintura, literatura e artes visuais em geral. O querido Wenderson Godoi 
pontuou algo muito interessante que ela disse, sobre se apresentar para um público muito pequeno, muito restrito. Sobre artistas que se apresentam para dez pessoas, ou até para uma pessoa só. E nem por isso desistem de seguir trabalhando, desenvolvendo sua arte e levando-a ao conhecimento de quem estiver interessado. O que importa é estar no caminho que você escolheu, o seu caminho, aquele que faz sentido pra você. A gente, quando entra nesse meio artístico e literário, precisa ter em vista que não vai ficar rico com isso, a menos que descubra a fórmula da popularidade, do que dá certo, tem ampla aceitação e vende feito, sei lá, pão com linguiça no mercado, ou o Big Mac. Não é nada fácil, e nunca foi mesmo, e provavelmente nunca vai ser. O que importa mesmo é a gente ter certeza do caminho que a gente escolheu, do que apaixona e move a gente. 

Então a Amanda me contou sobre o caso de uma moça que nunca se expõe ao público e à crítica, não publica absolutamente nada por medo de ser criticada, por medo de não gostarem do trabalho dela. E me contou também sobre um outro rapaz que deleta tudo o que recebe críticas negativas no blog que ele usa pra divulgar o trabalho dele, e deixa só o que recebe mais comentários e críticas positivas. Mas o que é isso? Afinal, quem é, sempre, cem por cento bom, perfeito? Ninguém. A gente tem que dar mesmo a cara a tapa pro bem ou pro mal, e ser verdadeiro e honesto em relação ao trabalho da gente, e a tudo o que a gente é.

A gente precisa é ser capaz de sustentar o que a gente é, as escolhas da gente, os atos da gente. E a consequência deles. Seja uma palavra, uma reação, um gesto, um elogio ou crítica, uma curtida no Facebook, um comentário menos elaborado, um mais elaborado, uma mensagem, um "vai tomar no cu" ou uma declaração de amor. Pelo amor de Deus, gente, por tudo aquilo em que vocês mais acreditam nessa vida, sustentem as ações de vocês, as escolhas de vocês, as opiniões de vocês, tudo o que representa vocês nesse mundo! Risos.



Raramente a gente recebe algum "eco" de verdade sobre as coisas que mais interessam e dão significado à gente, e essa inclusive é a razão daquela minha imagem de capa no Facebook, "no echoes". Porque o caminho que a gente escolhe pra gente mesma, aliado a tudo o que a gente é, e a todas as experiências que compõem o aprendizado da gente, é um caminho verdadeiramente solitário. Extremamente solitário. Ninguém mais pode trilhar pela gente, e ninguém vai compreendê-lo da maneira que a gente compreende. Mas, se a gente conseguir se fazer entender ao menos um pouquinho, se conseguir ao menos aquela nossa dúzia de seguidores e admiradores, já vai estar sendo um lucro imenso. Imagine, então, se tivermos a imensa sorte de sermos descobertos, e divulgados, e amplamente valorizados, e publicados e consumidos feito um Paulo Coelho da vida? Risos. Que seja o que tiver que ser, continuaremos firmes aqui!

terça-feira, 15 de julho de 2014

Matéria escura e a dança cósmica

“A gravidade da Terra é bastante forte para atrair de volta uma pedra atirada para o céu, mas não um foguete com velocidade de escape. E assim acontece com o universo: se ele contém uma grande quantidade de matéria,a gravidade exercida por toda essa matéria vai diminuir e deter a expansão. Um universo em expansão será convertido num universo em colapso. E se não há bastante matéria, a expansão vai continuar para sempre. O presente inventário de matéria no universo é insuficiente para diminuir a expansão, mas há razões para pensar que talvez exista uma grande quantidade de matéria escura que não trai a sua existência emitindo luz, para a conveniência dos astrônomos. Se o universo em expansão se revelar apenas temporário, sendo finalmente substituído por um universo em contração, isso certamente criará a possibilidade de que o universo passa por um número infinito de expansões e contrações, sendo infinitamente antigo. Um universo infinitamente antigo não tem necessidade de ser criado.Sempre esteve ali. Por outro lado, se não há matéria suficiente para reverter a expansão, isso seria coerente com um universo criado do nada.” _  Bilhões e Bilhões, Carl Sagan

Já tinha lido, há bastante tempo atrás, algo sobre matéria escura e sobre a força gravitacional que ela exerceria sobre a matéria visível,e achei muito interessante e muito pertinente. Sempre achei muito mais fácil conceber um universo que está num processo constante de expansão e contração,algo que sempre esteve ali, em criação e destruição constantes. Algo como a dança cósmica de Shiva, divindade que sempre me interessou e atraiu muito. Não sei por que esse tipo de concepção de universo parece-me muito mais natural.

Certa vez grifei uma passagem especial logo no início do livro O Tao da Física, do físico teórico e escritor Fritjof Capra:

“Eu estava sentado na praia, ao cair de uma tarde de verão, e observava o movimento das ondas, sentindo ao mesmo tempo o ritmo de minha própria respiração. Nesse momento, subitamente, apercebi-me intensamente do ambiente que me cercava: este se me afigurava como se participasse de uma gigantesca dança cósmica. Como físico, eu sabia que a areia, as rochas, a água e o ar a meu redor eram feitos de moléculas e átomos em vibração e que tais moléculas e átomos, por seu turno, consistiam em partículas que interagiam entre si através da criação e destruição de outras partículas. (...) Tudo isso me era familiar em razão de minha pesquisa em Física de alta energia; até aquele momento, porém, tudo isso me chegara apenas através de gráficos,diagramas e teorias matemáticas. Sentado na praia, senti que minhas experiências anteriores adquiriam vida. Assim, ‘vi’ cascatas de energia cósmica, provenientes do espaço exterior, cascatas nas quais, em pulsações rítmicas,partículas eram criadas e destruídas.”



Não sei como andam os últimos estudos e as últimas descobertas em relação à matéria escura e à origem do universo, mas gostaria muito de saber que eles apontam nessa direção. Não é uma teoria, literalmente, muito mais massa do que a noção de que o universo não tem matéria suficiente para uma provável contração, e que, portanto, teria sido criado do mais perfeito nada? Risos.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Regresso sem nome


 

Eu bem queria aquela volta, por cima. Uma que tivesse um nome. Uma que estampasse essa nova fase, esse retorno à vida. Esse querer tudo ao mesmo tempo. Esse acreditar que tudo ao mesmo tempo é possível.

Queria promessas. Queria certezas. Queria a estrada de tijolos amarelos da Dorothy. Mas é que a minha estrada, a minha história, é bonita, e é feia. E é dúvida. E é dor.

Hoje a madrugada foi de insônia, e dor. Pensei em estrear o novo blog com um texto antigo, que me parece ainda agora tão atual, tão real. Tão em sintonia com o que vivo agora. "Restos", o título. Mas descobri que, da lembrança, dos registros, só mesmo o título restou. E eu que pensava ter sido sempre tão cuidadosa, guardando tudo o que escrevia em documentos do Word. Enfim, passeando pelos arquivos, encontrei um outro, mesma pegada, mesmo feeling. E colo aqui, na íntegra.

Fica essa sensação constante de que é comprovadamente impossível preencher a mim mesma com as peças que faltam. Do tamanho exato. Da maneira exata. E, portanto, a solução tem sido, ano a ano, dia a dia, tentar remendar as peças que sobram. Tentar ir encaixando os restos que me são atirados. Aquele Tetris meia-boca. Só para não ter que sentir o gosto amargo, a sensação dilacerante do mais puro vazio.

É assim que retorno ao mundo dos blogs. Um regresso sem nome. Um título no qual não consegui pensar. Mas, apesar de tudo, retornar é sempre bom. No fundo, é mesmo verdade. "There's no place like home."


Foi por isso que nunca te amei

Para E. S.
22 de Setembro de 2008

Olho o papel branco sobre o envelope, giro a caneta entre os dedos, mordo-lhe a tampa. Ah, os começos.

Sei exatamente o que quero te dizer. Mas o branco da folha insiste em me abduzir, hipnotizar, arrancar do baralho de sentimentos sem nome que dançam, debochados, aqui dentro. Começo, paro, olho as primeiras linhas, e as odeio. Odeio começos. E sei o porquê: todo começo traz, implícito, um fim. Finais são uns filhos da puta. Pode ser a mais bela das histórias, o mais belo dos finais. Mas é final. Se houver uma resposta tua, também ela vai ter um final. Odeio tudo o que é volátil, impermanente, tudo o que está desgraçadamente acorrentado às leis da física. O grande sonho do meu avô era inventar uma máquina que, uma vez posta a funcionar, não viesse mais a parar, nunca. Um moto-contínuo. Meu grande sonho é abolir todos os finais. Histórias, sensações, horas deveriam poder ser vividas e revividas outra vez, outra vez, outra vez…

É que ninguém me toma assim, com tamanho ímpeto, aperta contra a parede, devora com seus beijos, com seu sexo, puxa meus cabelos, bagunça meus sentidos, marca minha pele, rouba meu fôlego e meu juízo e sai então, satisfeito, andando sem olhar para trás. E o pior: sem coragem de dizer adeus.

Sabes, já tinha visto tuas costas antes. Antes mesmo de te conhecer. Vi nas tuas palavras. E depois, ouvi na tua voz. Li nos teus olhos, no teu jeito de sorrir, de falar, de calar e de me ouvir. Senti no teu corpo, na tua pressa de me possuir. No teu jeito desesperado de tentar se livrar do gosto de outra mulher procurando sentir o meu. Mas já não sentias nada. Já estavas irremediavelmente envenenado, possuído por inteiro, por dentro e por fora, e eu vi.

Ah, sim, eu soube do fim antes de tudo começar. Soube naquela madrugada, naquele aeroporto frio, enquanto procurava dominar minha impaciência, meu sono atrasado, minha febre de trinta e nove graus. E ali mesmo já procurava arrancar de mim o inexplicável carinho que sentia por tudo o que vinha de ti, o desejo de te abraçar forte e a ilusão de que eu talvez conseguisse te prender naquele longo e silencioso abraço. Naquele abraço forte, que foi a única coisa que pedi que fizesses quando nos víssemos pela primeira vez. E não me negaste.

Enfim, arranquei tudo de dentro de mim naquela rodoviária, te expulsei daqui de dentro junto com as lágrimas que, fraca, deixei cair naquele chão imundo, como um filho indesejado que é violentamente extirpado de um ventre e atirado numa lixeira qualquer.

Foi por isso que nunca te amei. Nunca te amei porque te matei assim que nossos corpos se separaram. Como uma Viúva-negra que mata e devora o macho assim que termina a cópula. Arranquei-te de mim antes que crescesses. Antes que me tomasses a alma. E o peito.

Arranquei? Se queres saber, ainda vejo teus olhos, ainda sinto teus dedos na minha sobrancelha, ainda lembro da tua voz, sussurrada, quando disseste meu nome pela primeira vez. Ainda sinto teu cheiro, teu gosto, tudo. Sabes, bastava que tivesses aberto uma passagem, a menor delas. Eu faria dela uma porta, e entraria por ela. Mas não fiz. Não entrei. Eu nunca, nunca te amei.

Tiro a caneta do papel, examino a caligrafia impaciente, cansada, e vejo nela mais dor do que deveria haver. A dor do que nunca houve. A pior das dores.

Nossa história, como esquecer?, começou ao som de Chico, que nós dois ouvíamos tanto naqueles dias. Era cada um no seu lugar, uma música em comum e aquela vontade de estar junto.

“Quero ficar no teu corpo
Feito tatuagem”

Então houve aquela música que ouvimos juntos, dividindo o fone de ouvido no meio de um beijo. Era uma composição de um amigo teu. Lady Jane, como naquela canção dos Rolling Stones.

E foi na voz de Nina Simone que nossa história terminou. Num disco emprestado por meu pai. Naquela letra que, sem que ele desconfiasse, muito menos tu, dizia exatamente o que eu estava sentindo. 

For all we know
We may never meet again”

Essa eu ouvi sozinha. Largada na cama. E nela fiquei por dias. E tu nunca, nunca soubeste.

E a previsão estava certa. Nunca mais nos vimos.

Foi por tudo isso, E. Pelo que vivemos, e pelo que deixamos de viver. 

Foi por tudo isso 
que eu nunca te amei.