Estava
conversando com a Amanda, minha ex-aluna de dança e hoje escritora e estudante
de Letras, sobre as dificuldades implícitas na escolha da arte como o caminho
que nos dá sentido, aquele pelo qual vale a pena seguir lutando e vivendo.
Confesso que, há exatamente um ano e meio, eu abdiquei de uma escolha que tinha
feito há quatorze anos atrás: a de ser professora de dança. Decidi nunca mais
voltar a dar aulas outra vez. Não de dança. Mas isso envolveu muitas outras
questões, todas elas muito complexas, muito pessoais e muito práticas. Questões
delicadas de saúde envolvidas. Criei um atalho, adaptei esse meu caminho, sim,
abracei com muita coragem essa minha capacidade de mudar tudo, de ser capaz de
virar tudo do avesso aos trinta e sete anos de idade, e de seguir acreditando,
firme. A dança sempre vai estar na minha vida. A arte, em todas as suas formas
e expressões, sempre vai estar na minha vida, entrelaçada com a minha maneira
de ser, como se fôssemos, na verdade, uma coisa só. Isso é muito forte na minha
vida, e preciso respeitar isso. Preciso, sobretudo, respeitar a mim mesma, a
minha maneira de ser e de me expressar nesse mundo.
Estávamos,
eu e Amanda, conversando sobre literatura, e sobre a dificuldade que é seguir
esse caminho, e se divulgar, e conquistar algum tipo de reconhecimento.
Conversamos coisas que eu não gostaria de manter só pra nós duas, então
disponibilizo aqui pra quem quer que possa demonstrar interesse no assunto. Eu
disse a ela, então, o que todo mundo que está nesse meio sabe muito bem: é
sempre assim. É uma luta, mesmo. Uma batalha de verdade. Mas sempre vai valer a
pena se você acredita no caminho que você escolheu. Antes de mais nada, a gente
escreve pra se expressar, é uma maneira de viver, ou até mesmo de sobreviver
nesse mundo difícil. Estava conversando sobre isso mesmo, alguns dias atrás,
com um amigo querido, o Julian Gallo, um escritor americano que também passa
por problemas até hoje, mas que encontrou o caminho dele, e já tem o público
fiel dele. Um dos tópicos que nós discutimos foi reconhecimento e publicação do
nosso trabalho. Ele disse mais ou menos o seguinte, e concordei muito:
"Escritores escrevem, não importa o que aconteça. Coloca-se muito valor no ato de publicar uma obra, como se fosse uma espécie de 'validação' do nosso trabalho, e para mim não é isso o que realmente 'valida' o trabalho de alguém. O que valida é o próprio ato de escrever, de concluir o que você começa, e de fazê-lo porque você sente que você precisa. Como um pintor ou um músico. Eu sempre argumentei que, se um pintor pinta, mas nunca expõe seu trabalho, ele vai deixar de ser um pintor por causa disso? Se um músico toca só para ele mesmo, ele não é ainda um músico? É difícil se manter atento a esse ponto de vista no mundo de hoje, porque estamos influenciados demais pelo vírus da 'celebridade'. É uma pena / vergonha também, porque existe um monte de gente aí fora que já é exatamente aquilo que aspira ser, e não se dá conta."
Somos escritores, somos artistas, quer estejamos sendo, no momento, muito lidos, vistos, apreciados e valorizados, ou não. É o caminho que a gente escolheu, é ele que dá sentido à nossa vida e é nele que vamos continuar. Não se escolhe ser artista. Nasce-se artista. É impossível abdicar disso. Ontem mesmo estávamos conversando sobre algo parecido no encontro com a Cristina Machado, diretora da Cia. de Dança Palácio das Artes, aqui no Centro Cultural Usiminas, em Ipatinga. Digo que é parecido, porque no meio artístico isso é algo generalizado, afeta tanto quem trabalha com dança quanto com teatro, música, pintura, literatura e artes visuais em geral. O querido Wenderson Godoi pontuou algo muito interessante que ela disse, sobre se apresentar para um público muito pequeno, muito restrito. Sobre artistas que se apresentam para dez pessoas, ou até para uma pessoa só. E nem por isso desistem de seguir trabalhando, desenvolvendo sua arte e levando-a ao conhecimento de quem estiver interessado. O que importa é estar no caminho que você escolheu, o seu caminho, aquele que faz sentido pra você. A gente, quando entra nesse meio artístico e literário, precisa ter em vista que não vai ficar rico com isso, a menos que descubra a fórmula da popularidade, do que dá certo, tem ampla aceitação e vende feito, sei lá, pão com linguiça no mercado, ou o Big Mac. Não é nada fácil, e nunca foi mesmo, e provavelmente nunca vai ser. O que importa mesmo é a gente ter certeza do caminho que a gente escolheu, do que apaixona e move a gente.
Então
a Amanda me contou sobre o caso de uma moça que nunca se expõe ao público e à
crítica, não publica absolutamente nada por medo de ser criticada, por medo de
não gostarem do trabalho dela. E me contou também sobre um outro rapaz que
deleta tudo o que recebe críticas negativas no blog que ele usa pra divulgar o
trabalho dele, e deixa só o que recebe mais comentários e críticas positivas.
Mas o que é isso? Afinal, quem é, sempre, cem por cento bom, perfeito?
Ninguém. A gente tem que dar mesmo a cara a tapa pro bem ou pro mal, e ser
verdadeiro e honesto em relação ao trabalho da gente, e a tudo o que a gente é.
A
gente precisa é ser capaz de sustentar o que a gente é, as escolhas da gente,
os atos da gente. E a consequência deles. Seja
uma palavra, uma reação, um gesto, um elogio ou crítica, uma curtida no
Facebook, um comentário menos elaborado, um mais elaborado, uma mensagem, um
"vai tomar no cu" ou uma declaração de amor. Pelo amor de Deus,
gente, por tudo aquilo em que vocês mais acreditam nessa vida, sustentem as
ações de vocês, as escolhas de vocês, as opiniões de vocês, tudo o que representa vocês nesse mundo!
Risos.
Raramente
a gente recebe algum "eco" de verdade sobre as coisas que mais
interessam e dão significado à gente, e essa inclusive é a razão daquela minha
imagem de capa no Facebook, "no echoes". Porque o caminho que a gente escolhe pra
gente mesma, aliado a tudo o que a gente é, e a todas as experiências que
compõem o aprendizado da gente, é um caminho verdadeiramente solitário.
Extremamente solitário. Ninguém mais pode trilhar pela gente, e ninguém vai
compreendê-lo da maneira que a gente compreende. Mas, se a gente conseguir se
fazer entender ao menos um pouquinho, se conseguir ao menos aquela nossa dúzia
de seguidores e admiradores, já vai estar sendo um lucro imenso. Imagine,
então, se tivermos a imensa sorte de sermos descobertos, e divulgados, e
amplamente valorizados, e publicados e consumidos feito um Paulo Coelho da
vida? Risos. Que seja o que tiver que ser, continuaremos firmes aqui!