terça-feira, 5 de agosto de 2014

O sentido da vida, do universo e de tudo mais

Perdoem a sutil referência a Douglas Adams. Risos. A intenção não é indicar um de seus livros, mas um texto muito interessante que acabei de ler. Abri o link (no fim da postagem) meio sem vontade, quase certa de que veria um texto mediano qualquer, infestado por lugares comuns, ideias superficiais fazendo cara de profundas e frases pretensiosas querendo nos dar a direção certa na vida. Que bom que estava errada. O texto de Victor Lisboa é um dos melhores que li nos últimos tempos. As referências a trabalhos de Thomas Ligotti, Albert Camus, Becker e Jung me surpreenderam, além das referências interessantes a True Detective e a Irmãos Karamazov, que quero muito ver/ler. As ideias que esse texto nos apresenta nos tiram o conforto e a paz, fazem refletir. Uma reflexão cruel, de fato, mas muito interessante e, eu diria, necessária. E Victor finaliza lindamente, colocando seu próprio senso crítico a favor do tema e de todas as questões levantadas, expondo uma concepção de existência, sentido e evolução com a qual eu me identifico profundamente. Indico muito esse texto a todos os amigos e leitores corajosos, dispostos a se arriscarem em direção a linhas de pensamento que não são usuais, dispostos a questionarem sua própria visão de mundo, ainda que se mantenham firmes em seus conceitos. Coisa de que eu duvido um pouco. Afinal, “a mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original."

Quanto às ideias dos ditos filósofos pessimistas e quanto à perspectiva de que nossa consciência pretensamente superdesenvolvida seria um erro da natureza, levanto algumas questões. Quem é que garante, por exemplo, que aquilo que eventualmente consideramos uma anomalia não seria de fato a regra, ou algo inerente a ela e à sua evolução? O quanto realmente conhecemos de nosso próprio universo para afirmar com certeza qualquer coisa a respeito de anomalias, especialmente em relação ao reino do abstrato? Em relação a um amplo, irrestrito uso das palavras “ilusão” e “realidade” ao longo do texto, levanto ainda outras questões. Qual é a medida do real? Em que realidade esse grupo de filósofos se baseia para desenvolver seus questionamentos e suas teorias? Quem é que, em todo o mundo conhecido, seria capaz de efetivamente definir a palavra “realidade”? Quem pode dizer o ponto exato em que saímos dos limites da ilusão dos sentidos e entramos numa pálida e imperfeita concepção de realidade? Será que existe mesmo uma separação?

Alguns trechos muito interessantes do texto de Victor:

“(...) o problema não é a verdade que não conseguimos ver, por estarmos distraídos graças a um sistema social produtor de ilusões coletivas. O embaraço está no fato de que nossos antepassados decidiram, equivocadamente (e precisamos respeitar o medo que motivou esse erro), lidar com essa verdade simplesmente por meio da sua negação, da cegueira, e assim construíram uma sociedade cujos valores e alicerces estão baseados na ilusão.”

“Pior ainda, sabemos que não há apenas uma criança. Sabemos que incontáveis crianças foram e são agredidas, abusadas, violentadas e submetidas às mais diversas formas de injustiças e violências desde que o mundo é mundo. Não é nem preciso ser versado em história da humanidade. Basta abrir o jornal para ver que se trata de um coral sinistro de prantos e gritos infantis, ecoando pelo breve tempo em que o universo, silencioso e gracioso com suas rochas planetárias e bolas de gases incandescentes, testemunha a insignificante presença humana.”

E ainda:

“(...) E o ego é aquela parte de nós que, desenvolvendo-se a partir do instinto de sobrevivência animal, fala sempre ‘eu, eu, eu, eu eu’. É aquela parte  em nós que mede todas as coisas do mundo segundo si próprio, que alimenta continuamente a ilusão sobre sua auto-importância, e que facilmente abraça a ideia de que se é alguém especial, um ser único, possivelmente eterno.”

Cabe aqui uma breve defesa do ego. Risos. Vamos perdoar e pegar leve com o ego, essa ferramenta tão necessária à nossa evolução! Afinal, só somos capazes de perceber, processar, interpretar e reagir à vida através de um único ponto de observação, através de um único receptáculo, o único que nos foi dado: nosso próprio ser. Não é fácil transcendê-lo e procurar compreender verdadeiramente todos os demais pontos, elaborando a partir daí todo um sentido para esse conjunto. Nesse sentido, somos todos guerreiros. E estamos no caminho. Se é o caminho certo ou não, espero que um dia venhamos a saber.

E já que citaram Shakespeare em função dessa visão de que “a vida é uma história contada por um idiota, cheia de som e fúria, nada significando”, gostaria de rebater utilizando uma outra frase, do próprio Shakespeare, de que sempre gostei muito:

“Há mais coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia.”




Texto de Victor Lisboa ("A vida tem sentido?") aqui.