terça-feira, 12 de maio de 2015

That fucking crown

É fácil dizer "levante a cabeça e siga em frente, todo mundo tem problema" quando não é você que passa fome por três dias seguidos de vez em quando, que não tem dinheiro pra pagar hotel barato e vai dormir no chão frio da rodoviária duas ou três vezes por semana. Que chega a desmaiar na rua de cansaço, de fome e de tanta dor na alma. Ainda que aceitar esse risco tenha sido uma escolha muito consciente sua. Algo radical, que te arrancasse de uma estagnação de morte e fizesse sua vida voltar a se movimentar. Como de fato aconteceu. E agradeço tanto por isso. 

É fácil dizer essas coisas quando não é você que não consegue trocar duas palavras com o pai sem que ele faça você sentir que é um lixo de ser humano, que faz tudo errado, sempre. Que não recebe um único olhar ou abraço dele quando volta pra casa uma vez por mês para o tratamento psiquiátrico que teria precisado fazer desde a infância, que desorganizou toda a sua vida pessoal, afetiva e profissional até muito pouco tempo atrás, e você ainda descobre que foi diagnosticada de maneira inadequada pela segunda vez em dez anos. Tive hoje a confirmação do diagnóstico de Borderline, algo que estava camuflado com os sintomas fortes de um Transtorno Bipolar. E agora, o que acontece? Vamos recomeçar tudo do zero. Outra vez. É fácil dizer que problema todo mundo tem, quando não é você que dá um presente ao seu pai, com todo amor e carinho, e precisa vê-lo ficar nervoso porque você não deveria ter gastado dinheiro com aquilo, porque você sabe bem o que ele pensa sobre datas e exploração comercial, mas você está pouco se fodendo pra isso porque tudo o que você quer é agradar, é fazê-lo feliz de alguma forma, e deixá-lo um pouquinho orgulhoso de você nem que seja por cinco minutos na sua vida. Sim, me chame de Cal Trask, é muito mais apropriado. Leia Steinbeck e entenda o porquê. 


É fácil quando não foi você que, aos dez anos de idade, se machucou pela primeira vez logo depois de uma briga com o pai, arranhando as coxas até sangrarem, sentindo que era uma pessoa realmente má e merecia aquilo, e precisava externar de qualquer maneira toda aquela dor que antes era só interna. É fácil dizer isso tudo quando não é você que é tratado como um inimigo dentro da sua própria casa, e a dor chega a ser tão grande que você se tranca por vinte e quatro horas no seu quarto sem parar de chorar, pensando numa maneira de acabar com tudo logo de uma vez. Mas ainda que você chegue a considerar tudo isso seriamente, não é capaz de se trair e permitir-se tamanha fraqueza, falta de lucidez e de equilíbrio. É muito fácil, quando não é você que deita todas as noites e reza escondido antes de dormir, mesmo sendo agnóstica, pra ser levada enquanto dorme, porque não aguenta mais sentir dor na alma e no peito, e porque não quer ser fraca e trair seus princípios, seus valores e crenças, e acabar fazendo isso você mesma. You don't want to wear that fucking crown. E ainda assim, quando abre os olhos toda manhã, ainda que a primeira coisa que você sinta geralmente seja uma dor e uma angústia imensas, porque acordar muitas vezes dói, você ainda escolhe viver. Você tem força e coragem suficientes, sabe-se lá vindas de onde, para escolher a vida, todos os dias. E você ainda consegue sentir uma pontinha de orgulho de si mesma por causa disso. Por causa dessa imensa força que você descobriu dentro de você aos poucos, mesmo que num momento ou em outro você venha a duvidar dela. 


É fácil falar tudo isso quando não é você que ama sozinho. Sozinho. Quando os "amigos" te dão as costas por causa de uma impulsividade que não é culpa sua, mas de um desequilíbrio químico do seu corpo. E quando tenta seguir em frente se relacionando com uma outra pessoa que não seria a sua primeira escolha, mas mesmo a outra pessoa, e a outra, e a outra ainda, só sabem te machucar e te abandonar. Ainda que você sinta que existe dentro de você amor suficiente pro mundo inteiro. Pro mundo inteiro. Ainda que você não consiga evitar escolher e querer aquela mesma primeira pessoa, até que tudo se acabe. E depois. E depois. "We should meet in the air. you and me. We should meet in another life."  We should...


É tão fácil falar que os meus problemas não são nada comparados aos problemas de qualquer outro ser humano. É muito fácil minimizar tudo, até por que não é com você. E a gente erra tanto... tanto... mesmo que, desde criança, você só tenha tido as melhores intenções do mundo, e tenha ido muitas e muitas vezes em silêncio até a cama dos seus irmãozinhos depois que eles dormiam, só pra ver se eles estavam cobertos direitinho, e se estavam dormindo bem. Eu era essa criança. Eu ajeitava o cobertor em volta dos meus irmãos. Aos sete anos de idade. Hoje eu já não sei quem sou. Já não sei mais se sou uma boa pessoa. Porque insistem em me dizer o contrário dentro da minha própria casa. É fácil dizer tudo isso quando você vira uma espécie de inimigo da sua própria família, ainda que quando adolescente, sem ter dinheiro para dar presentes aos pais e aos irmãos, você tenha feito, por vários anos, lembrancinhas artesanais, trabalhos manuais, como um ursinho cor de rosa em miniatura que eu moldei, costurei e bordei pra minha irmã no aniversário dela, e do qual ela gostou tanto. E tudo vinha acompanhado com cartões manuais, com aquarelas que eu passava as tardes fazendo enquanto ouvia Marisa Monte, e com mensagens que eu adorava escrever. Sempre gostei tanto de escrever. Eu só queria fazer meus irmãos e meus pais felizes. Eu só queria fazer as pessoas felizes. Era tudo o que eu queria. Mas sempre, sempre acabava fazendo algo errado, de maneira que toda a minha vida eu fui a ovelha negra da minha família. A única que não tirava dez em todas as matérias. A única que não fazia tarefas da escola e da casa prontamente, quando era solicitada, quando tinha de ser. A única que levantava a voz, que não se resignava, que não se submetia ou abaixava a cabeça. A única que não se encaixava. A única que não era perfeita. A única que frustrava imensamente os pais, que desde muito pequenos sempre foram os primeiros alunos das classes deles, e não esperavam menos da vida do que filhos que no mínimo se comportassem da mesma maneira. 


É muito fácil dizer qualquer coisa quando não foram os seus sonhos todos que foram frustrados. Quando não foi você que não pôde estudar o ballet clássico que era o seu grande sonho, porque a situação financeira da sua família não permitia. Porque éramos cinco filhos, uma mãe professora de inglês e funcionária do estado, sensível escritora e poetisa, desenhista e artista, imensamente criativa e com uma inteligência brilhante e linda, e um pai engenheiro, funcionário médio da Usiminas, apesar de ter passado em primeiro lugar geral no concurso que a empresa promoveu assim que abriu as portas aos futuros empregados no Vale do Aço. Me diz agora de que foi que serviu aquele maldito primeiro lugar? Um pai igualmente brilhante, que dominava a matemática e a música, que foi professor de cálculo na faculdade, e que foi sempre o meu maior exemplo de ser humano, de honestidade, de dignidade, de respeito, de bom coração, de ética em tudo o que fazia e faz, de uma pontualidade invejável, de educação, de honra, sensibilidade, cordialidade e cavalheirismo, de tudo enfim. Meu grande espelho, meu grande mestre, meu grande centro. E hoje em dia ele é alguém com quem eu não consigo mais trocar sequer duas palavras. Um inimigo. Meu maior amor nessa vida, hoje um inimigo. E isso dói tanto. Dói pra caralho, ninguém é capaz sequer de imaginar. 


Éramos uma família extremamente simples, apesar de não nos ter faltado nada. Mas nunca pudemos ter bicicletas, nunca pude estudar o meu ballet, nunca podíamos viajar pra muito além dos limites de Minas nas férias, nunca pudemos usar aparelhos nos dentes porque eram muito caros pra nós, não tínhamos um carro, não frequentávamos os clubes da cidade, não fizemos cursos de línguas estrangeiras, até que minha mãe veio a dar aulas numa boa escola de línguas, e conseguimos então bolsas para terminar de estudar o inglês que ela já tinha começado a nos ensinar em casa, todas as tardes na mesa de jantar. Nossos maiores luxos foram um videogame e um computador pra família inteira usar. Até que aos poucos cada um pudesse comprar o seu.


O que hoje podemos dizer, com orgulho, que realmente tivemos, e que ninguém vai poder nos tirar, nunca, o que foi o centro de todo o investimento de nossos pais em nós, não foram viagens ao exterior ou intercâmbios, nem mesadas, nem poupanças em bancos, nem os melhores brinquedos da época, nem as últimas novidades da tecnologia: foi educação e cultura. Educação e cultura. A melhor educação que a nossa região oferecia, enquanto pudemos pagar por ela, e toda a boa cultura a que pudéssemos ter acesso. O melhor da cultura do Brasil e do mundo. Música, literatura, cinema, arte, exposições, enciclopédias enormes. Lembro que a gente se juntava na sala, a família toda, pra ver um filme, e via até o fim, até rolar o último crédito. Fosse por curiosidade em relação aos atores e a toda a equipe. Fosse por respeito. Fosse por amor ao cinema. Mas assistíamos até o último crédito rolar na tela. Felizes por termos tido juntos aquela experiência. E hoje, quando vamos ao cinema, somos obrigados a ser praticamente estuprados pelas luzes que se acendem com força antes mesmo da cena final, e pelas pessoas que se levantam, ficam em pé na nossa frente e quase nos tiram do lugar ao passar, sem procurar saber se o filme de fato terminou ali. Sem querer saber dos créditos e de todos os que colaboraram pra que aquele trabalho acontecesse. Sem querer saber se vai haver uma cena durante ou ao final dos créditos. E, olha só que engraçado, são as mesmas pessoas que incomodam fazendo "psssst" se alguém precisa comentar algo baixinho com o colega do lado, e os mesmos que chutam a sua cadeira (sim!!! já chegaram a fazer isso comigo!) se você por acaso precisa usar rapidamente o seu celular pra mandar uma mensagem urgente e importante. Logo comigo, eu que sou sempre a primeira a deixar o celular no silencioso em qualquer tipo de evento, e só dou uma olhada rápida mesmo se eu sei que existe uma emergência qualquer, se alguém ficou de enviar uma resposta importante, se tem alguém na família passando mal. Acontece. Acontece.


Sobre livros, gosto sempre de contar que, quando bem criança, logo antes de o ano letivo começar na escola, assim que nossos pais compravam os livros de português que seriam usados naquela série, eu corria, sem ao menos deixar as páginas esfriarem, e lia todos os textos que seriam estudados nas aulas de português e redação durante todo o ano. E fazia a parte de interpretação de texto, e alguns exercícios. E durante o ano eu dava um jeito de saber o que é que as outras turmas estavam lendo, e corria atrás, pegava os livros das outras turmas e séries, e lia também. Eu era esse tipo de criança. Sempre louca por leitura e por redação, sempre, sempre. Sonhava em ser escritora. E ainda sonho. Só adiei um pouquinho esse meu sonho. Mas chego lá. Em paralelo, lia toda a coleção Vagalume e os livros do Monteiro Lobato. Até descobrir livros mais adultos, primeiro Richard Bach, com seu Fernão Capelo Gaivota, aos onze anos de idade, depois os livros de Gabriel García Márquez, por quem me apaixonei perdidamente por volta dos treze, quatorze anos. E nunca mais parei, exceto durante as minhas longas crises de depressão, quando eu não tinha vontade de fazer nada, de ler nada. Sequer de sair da cama. 


Mas então a situação apertou ainda mais depois da separação dos meus pais, um dos motivos pelos quais eu nunca considerei a sério a possibilidade de me casar e viver dentro de um esquema familiar encaixotadinho, antiquado e falho. Devo muito dessa minha maneira de pensar também aos livros do maravilhoso Gaiarsa. De qualquer forma, foi uma fase muito difícil, que veio justamente quando os filhos estavam entrando na idade de fazer um curso superior. Na época não existia financiamento. A alternativa eram as federais, sempre extremamente concorridas. Tentamos, não conseguimos. Tentei duas vezes pra Artes na UFMG, um dos meus grandes sonhos. Só passava na prova de aptidão. Então veio o desânimo, não tinha como investir numa faculdade de uma outra forma. Até que meus dois irmãos mais novos completaram um cursinho, e estavam muito tristes por não poderem prestar um vestibular, por não ter como investir naquilo. Eu vi aquela tristeza deles, e fui conversar com meu pai. Era tudo tão angustiante, que a gente conseguiu dar um jeitinho, apertar aqui, apertar dali, e os dois foram estudar, em cursos baratos, que era o que o dinheiro dava pra pagar. Minha irmã, Turismo. Meu irmão, Ciências da Computação, a grande paixão dele. Tudo o que envolvia informática, montar, desmontar e consertar qualquer tipo de objeto, era com ele. Era a área dele. Minha irmã sempre sonhando com viagens, com a Grécia, com o mundo inteiro. E mais tarde ela veio realmente a ganhar esse mundo a bordo de um cruzeiro, a trabalho. Mas ganhou. Na medida em que uns iam se formando, era possível pagar estudo pros outros. Prestei novamente pra Artes na federal, passei outra vez só no teste de aptidão. Mas então passei pra Arquitetura e Urbanismo numa faculdade particular da minha região. Outro curso que eu sempre fui louca pra fazer, desde os meus quinze anos. E hoje é a minha escolha, a minha grande escolha pra vida. Minha irmã mais nova começou então Jornalismo, ficou decepcionada pela falta de organização do curso, trancou e começou Letras, refazendo os passos da minha mãe. 


Mas então veio aquele agosto de 2004. A reincidência do câncer da minha mãe. A metástase. Toda e qualquer esperança de cura desesperadoramente arruinada. A depressão profunda em que minha mãe caiu, ela que estava tão feliz com os aluninhos de sete anos na escola de inglês, e tinha completado cinquenta anos há pouco tempo, numa festa tão bonita, e ela estava tão linda, toda de vermelho... tudo evoluiu muito rápido, e ela veio a falecer no dia 31 de agosto de 2004, às sete horas da noite. Tudo mudou. Tudo. Minhas crises de depressão passaram a ser mais frequentes e mais fortes, enquanto, por outro lado, faltou a renda dela pra que a gente conseguisse terminar os estudos. Minha irmã conseguiu a muito custo se formar no fim daquele ano, em Turismo. Com honra. Apesar de toda dor. De todo aquele momento de fraqueza e de falta de chão. Uma verdadeira guerreira. Recebeu medalha de melhor aluna, foi oradora da turma. Minha mãe teria gostado tanto, tanto de ver tudo aquilo... já eu precisei trancar meu curso. E fiquei por anos entre idas e vindas, tentando finalizar a faculdade que eu escolhi pra minha vida. Mas dois fatores atrapalharam: o transtorno psiquiátrico mal diagnosticado e mal tratado, e a falta de condições financeiras pra investir no curso, uma vez que a renda da família caiu quase para a metade. Ainda que eu tentasse um financiamento, e por uma razão qualquer, não conseguisse. Minha irmã mais nova conseguiu terminar os estudos, o curso dela era muito mais em conta, e ela sempre foi bem equilibrada e muito focada nas coisas dela. E eu fui ficando, entre uma crise e outra. E até hoje não consegui me formar. Até hoje não consegui um emprego que fosse minimamente decente, até hoje não consegui me estabilizar, não consegui um apartamento, uma família, alguém que estivesse sempre do meu lado e que me amasse, filhos, um cachorro, samambaias, tuias, amoreiras e pitangueiras no quintal e essa merda toda, e uma linda glicínia bianca no jardim. Ainda que dentro da minha cabeça aquilo não incluísse necessariamente um casamento nos moldes tradicionais. Então, não consegui nada na minha vida. Nada. Ano após ano fui vendo meus amigos se formarem, começarem a trabalhar, crescerem na profissão, se casarem, terem filhos, viajarem para o exterior, e eu ali, completa e absurdamente estagnada, sem conseguir dar movimento à minha vida, sem conseguir progredir de maneira nenhuma, desesperada, morrendo aos poucos. Vítima de depressões horríveis. Pensamentos suicidas o tempo inteiro. Vítima de crises de ansiedade, fobias e pânico horríveis. Um pesadelo sem fim. Crises de dissociação, tricotilomania, que é uma forma um pouquinho mais branda de automutilação, mas é um sintoma claro da TPBTranstorno de Personalidade Borderline. E outros episódios que quase aconteceram, mas sempre algo me interrompia e eu acabava não fazendo. Sempre. Agradeço ao anjo que me interrompia, que batia uma porta dentro da casa vazia, sem corrente de vento alguma. E eu acabava mudando de ideia. Agradeço muito. E durante esse tempo, eu não pude estudar, por um motivo ou por outro. Coisa que é na verdade o meu grande sonho: estudar, me formar, estar sempre em contato com o riquíssimo ambiente acadêmico, fazer quantas faculdades eu tivesse vontade, estudar e aprender o resto da vida. Mas, não. Nada disso aconteceu. Eu vi todo mundo progredir, e eu ficar para trás. Eu não tinha condições psicológicas ainda, e muito menos financeiras. Não tinha como investir na minha formação, no meu caminho, na minha vida, no meu progresso. Isso me matava. Me matava de dor na alma e no peito. Esse tipo de dor excruciante de alguém que está completamente aprisionado, e ainda assim completamente consciente da merda em que está atolado. O universo numa casca de noz. Obrigada, Stephen Hawking, por criar esse belíssimo título, essa expressão tão forte e tão dolorosa. 


Sabe, muitas vezes eu desejei ser burra, e me contentar com o arroz com feijão, com a cultura de gosto duvidoso, com o axé, com o funk, com o pagode e o sertanejo, com o Faustão, com o teatro de comédia forçada, absolutamente comercial e extremamente deteriorante, com o hábito lamentável de ver apenas o que está diante do nariz, com um namoro sem amor só pra não ficar sozinha, e com filhos aos quinze anos. Já quis tanto não ver além... já quis tanto não ter toda essa consciência estúpida, que só faz causar dor, e mais dor. Sabe, seria tudo tão mais fácil. Evitaria tanto, tanto sofrimento. Be dumb. but be rich. Sabe? Não o contrário. Nunca. É sofrimento demais. 


E é assim que eu tenho vivido, aprisionada pelas minhas próprias fraquezas físicas, ou químicas, e pela situação financeira lastimável. Eu nunca pude. Nunca pude. Mas vez ou outra eu escrevia monografias e trabalhos de final de graduação e pós graduação por encomenda, porque eu era inteligente, porque eu escrevia muito bem, por isso e aquilo, pelo caralho a quatro. Eu sempre estive lá, fazendo as coisas pelos outros, mas nunca tive a oportunidade de fazer a minha própria monografia, de ter a minha própria formação, a minha própria pós, meu próprio mestrado, e sabe-se lá onde eu seria capaz de chegar se pudesse investir em mim mesma. Sabe-se lá.


Então eu passei por tudo isso. Passei pelas piores coisas. Andei pelas sombras mais assustadoras do interior da minha mente. Andei pelos piores caminhos. Caminhei no inferno. Descalça. E nua. Muitas vezes achei que iria ficar louca, que não iria aguentar nem mais um minuto. Mas sobrevivi. Como uma porcaria duma fênix, que eu ainda vou tatuar em algum lugar do corpo, ainda não escolhi onde. Junto com uma serpente, meu signo chinês, tomando metade das costas, e rodeada de rosas. Vou. Vou fazer. Vou me dar esse presente. Sinto que ao menos isso eu mereço. 


Descobri minha força. Descobri em mim uma força gigantesca. Que está aqui dentro, agora eu sei, e não vai mais me abandonar. Muitas vezes eu me perguntei se deveria realmente ter filhos, e permitir que eles pudessem vir a passar por todo esse pesadelo também. Ter filhos sempre foi um grande sonho pra mim. Amo, amo crianças. Quero muito. E vou ter. E então eu cheguei à seguinte conclusão: ora, se eu fui capaz de passar por tudo isso, por todo esse desequilíbrio, por todo esse pesadelo, se eu fui capaz de chegar ao fundo do poço e retornar, ao inferno e voltar, e superar tudo, tudo, e voltar ainda mais forte, então eles também haveriam de ser capazes de vencer essa batalha. De descobrirem a própria força, e o próprio equilíbrio, da mesma maneira como tenho descoberto o meu. Apesar de toda a impulsividade que ainda me domina. Eles podem até ter no sangue toda essa carga genética negativa. Mas eles também terão a cura. Eles também saberão encontrar o seu caminho, a sua força, e o seu equilíbrio.


Sabe, eu precisava dizer tudo isso, desabafar, me desintoxicar, Mesmo que ninguém se importe. I don't mind if you don't give a shit. Preciso colocar isso tudo pra fora, ou vou me envenenar aos poucos, até que não haja mais volta. E eu não quero isso. Eu quero a vida. Eu quero o progresso. Eu quero o futuro. Eu quero tanta coisa boa na minha vida, e na vida de todo mundo que me cerca... Sou coração. Sou tempestade. Sou caos, beleza e confusão. E estou perdida. E preciso tanto de ajuda. Preciso tanto de um amigo. De alguém que simplesmente me ouça, e me dê forças, seja de que maneira for...


Sabe, estes são os meus problemas. Não poso sentir por mais ninguém, não posso passar, no lugar de mais ninguém, pelos problemas que os outros passam. Estes são os meus problemas, é a minha luta pessoal. E esses problemas são tão esmagadores... E doem. Pra caralho. Uma dor que chega às vezes a ser excruciante. 


Não, não é bonito e nem romântico ser alguém extremamente intenso. Com exceção, talvez, de personagens da literatura. Não é romântico e bonito ser bipolar, ou borderline. Não é. Então, por favor, tenha a bondade, a fineza, a delicadeza, a sensibilidade de não minimizar os meus problemas. E peço ainda outro favor: valorizem o conforto e as condições privilegiadas de vocês. Valorizem o dinheiro do papai e da mamãe. Enquanto for possível. Não desperdicem oportunidades. Façam essa merda toda valer a pena. Porque vocês podem.


Como diria um amigo imensamente querido: Vita Brevis. Tempus fugit. Carpe diem.


Estou tão cansada... tão cansada... é tanta dor... sinto que não consigo aguentar mais... Estou no meu limite. And I don't ever want to wear that stupid crown.


Eu preciso que me digam que existe uma saída.


Na verdade eu vejo sinais indicando as saídas. Vejo muitos, muitos deles. Eu poderia seguir qualquer um, e estaria salva. Mas sozinha não faz sentido. Sozinha nada faz sentido. E eu não quero mais.





P.S.: Agora, pra terminar, juro, só um adendo a quem por algum acaso tenha tido a paciência de Jó de ler todo esse meu texto imenso... rs. Uma coisa eu quero deixar bem clara: eu não quis dizer que os meus problemas são maiores do que os dos outros, não quis minimizar os problemas de ninguém, de maneira nenhuma. Essa não foi a minha intenção. E se tem algo que eu faço sempre, sempre, é procurar me colocar no lugar dos outros, procurar compreender e sentir um pouco a dor dos outros. A única coisa que eu não quero é que minimizem os meus próprios problemas, sabe? Tanto que no fim do texto eu coloquei assim:


(...) estes são os meus problemas. Não poso sentir por mais ninguém, não posso passar, no lugar de mais ninguém, pelos problemas que os outros passam. Estes são os meus problemas, é a minha luta pessoal. E esses problemas são tão esmagadores... E doem. Pra caralho. Uma dor que chega às vezes a ser excruciante. (...) Então, por favor, tenham a bondade, a fineza, a delicadeza, a sensibilidade de não minimizar os meus problemas.


Claro que existem por aí problemas inimaginavelmente piores e milhares de vezes mais cruéis do que os meus. Mas esses são os MEUS, e eu só gostaria que os respeitassem, e que não os minimizassem.


Essa música aqui eu costumava ouvir muito durante a minha última depressão, há pouco mais de dois anos atrás. Era só o que eu tinha ânimo pra fazer: ver toda a videoteca do meu pai cinéfilo, e ouvir músicas deprimidas, ou não ouvir nada, de jeito nenhum. Porque mais triste do que se sentir triste e procurar ouvir músicas tristes, é não ter vontade de ouvir música nenhuma. Aí, amigo, pode ter certeza de que a sua depressão não é das leves, não. Essa eu ouvia às vezes, de madrugada, enquanto fazia no paint desenhos especulando as maneiras com as quais eu poderia me matar... era o que eu ouvia... era o que eu desenhava... era tudo o que eu tinha vontade de fazer. Esses dias, tenho lembrado muito dessa música.... the monster lurks...

Rebekka Karijord, Wear It Like A Crown

"I don't know where this fear comes from,
How I became so afraid of losing everyone,
Never been afraid of being lonely,
Now I'm becoming the one I'm most scared of being.
I don't know where this fear comes from,
This fear of failing fear of letting everyone, and myself down,
It's growing deep into my soul,
Making me all paralyzed and cold.
It's two steps forward, three steps back again,
I'll turn my face against it, I wont run,
'Cause courage and belief are my redeems,
No one else can rescue me it seems.
'Cause if I don't follow my heart this time,
I'm gonna forget what this life is all about,
I'm gonna take that path, I'm going in on my own,
I'm gonna take that fear and wear it like a crown."