quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Pasión

Quando o flamenco e o tango se encontram.

Essa música fez parte da trilha sonora do filme Tango, de Carlos Saura, 1998. Recomendo muito, tanto o filme quanto toda a trilha sonora.
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De moinhos e de ventos

dizem que ela saiu por aí
lutando batalhas perdidas
escudo aos pedaços
no peito aos pedaços
a lança sem ponta
e a alma sem paz

foi atrás do seu moinho de vento
sem saber que ele já não girava mais
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Humor: arrasada
Ouvindo: Milton Nascimento, Paisagem da Janela
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terça-feira, 29 de setembro de 2015

Epitáfio

Foi honesta consigo mesma, com os outros e com seus próprios sentimentos, até o fim.

A cigana e a louca

Até hoje a minha música favorita de um dos grupos de música flamenca e cigana mais queridos da minha vida. Apesar de que colocar "flamenco" e "cigano" na mesma frase implica em um certo pleonasmo, sendo que o primeiro nasceu do segundo. Esse grupo, que se formou em 2000 e que, apesar dos boatos do seu término, continua em atividade, é formado por ciganos calóns, aqueles que se desenvolveram na região da Andaluzia, na Espanha, e criaram as bases do flamenco como ele é conhecido hoje. Muitas coisas nas músicas deles são ditas em romani, a língua cigana oficial. Inclusive no início dessa música. O vídeo é meio louco, mas o que é que não tem loucura no título, ou no meio, e que não ressoa direto aqui no coração e na alma? rs
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Essa vai para um anjo calón chamado Renzo, que sempre me cumprimentava com um "Optchá Lucita!", e me contava coisas incríveis sobre a vida e sobre os lugares onde ele já havia passado, tudo com uma sabedoria e uma maturidade imensas, que eu sempre achei que não cabiam em alguém que só tinha vinte e três anos de idade. Ele que vinha me falar coisas em romani, só para me ver morrendo de curiosidade e de raiva pela minha própria ignorância em relação à língua dele, mas que depois traduzia tudo com muita paciência, sem deixar de dar risada da impaciência que era minha. Ele que gostava tanto de compor rumbas ao violão, e que um dia veio me contar da ideia genial que teve, de colar moedas em toda a frente do instrumento, e da sensação de ter ficado deslumbrado com o resultado super artístico e estiloso do próprio trabalho, só para depois sentar-se com o violão a postos e descobrir que tinha modificado todas as propriedades musicais e ressonantes do instrumento, e que o violão agora já não tocava mais nada. E todo aquele desespero para retirar moedinha por moedinha, e eu, apesar de sentida por ele, não conseguia deixar de dar risada daquela situação insólita. Ele que decidiu cair na estrada outra vez há exatos sete anos, deixando para mim apenas uma música e uma mensagem gravadas, e nunca, nunca mais deu notícias. Só soube que ele tinha ido com um grupo para a Bolívia, e depois mais nada. Tu não sabes a falta que fazes, querido Renzo. Espero, aqui do fundo do coração, que estejas bem, e que eu ainda ouça falar de ti, nesta nossa vida louca que dá tantas, tantas voltas. Que estejas bem. 

"O céu é o meu teto, a terra é a minha pátria, e a liberdade é a minha religião."

domingo, 27 de setembro de 2015

A cigana só

Às vezes é preciso sair de um lugar para que, na volta, você perceba nele coisas em que ainda não havia reparado. Às vezes é preciso sair de um lugar para que você perceba, em você mesmo, coisas das quais sequer suspeitava. Como um homem que pisa um rio já não é o mesmo ao pisá-lo uma segunda vez, e nem o rio é mais o mesmo, o homem que sai de um lugar, ao voltar, nunca mais será o mesmo. Nem ele. E nem o lugar. E o momento... o momento é de preparo. E de partida. Que os bons ventos de Iansã me acompanhem.
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Outra do tempo em que o pop era bom

Outra do tempo em que o pop era bom. E esse saudosismo que não me larga mais agora? E o que é esse início no melhor estilo Liza Minnelli em "Cabaret"? E essa Rita Hayworth que ela encarnou aos 2 minutos e 45? E o preço do pão francês?
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Sequestro 6 0091

Perdi a conta dos meus sequestros mentais musicais. Então vou chamar de "6 0091".
'Cause "this is the flight number
Of our galactic sun" ;-)
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"Sexo verbal não faz meu estilo
Palavras são erros, e os erros são seus
Não quero lembrar que eu erro também

Um dia pretendo tentar descobrir
Porque é mais forte quem sabe mentir
Não quero lembrar que eu minto também

Eu sei
Eu sei

Feche a porta do seu quarto
Porque se toca o telefone pode ser alguém
Com quem você quer falar
Por horas e horas e horas"

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sábado, 26 de setembro de 2015

Luz e sombras

Sou imensamente forte, o mesmo tanto que sou frágil. Preciso de carinho, atenção, amor, companhia, amizade, proteção. E isso de proteção passa longe de qualquer papo antifeminista. Quaisquer dois seres humanos, juntos, oferecem cuidados e proteção um ao outro. E isso é necessário. Para além de qualquer feminismo, isso é uma questão de sobrevivência neste nosso mundo louco. E não, não me envergonho dessa dualidade que vejo claramente em mim. Porque jamais me envergonharei de ser um ser humano, em toda a sua totalidade, lutando por ser pleno, e por ser cada vez melhor. Não me envergonho de existir por inteiro. Aí, talvez, resida a minha maior força.

Pássaros de fogo

Um dia essa tristeza vai ser tão insuportável que vai acabar por me consumir. Como um pássaro de fogo que se consome em cinzas, e se esquece de voltar à vida.

"Oh, baby, baby, it's a wild world
It's hard to get by just upon a smile
Oh, baby, baby, it's a wild world
I'll always remember you like a child, girl"
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Character

Strength = 16
Dexterity = 18
Agility = 18
Wisdom = 12
Push people away = 50

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Elara e a torre

"Drink up, baby, look at the stars
I'll kiss you again between the bars
where I'm seeing you there
with your hands in the air
waiting to finally be caught"
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Elara por vezes se abria como uma flor, linda, iluminada e vaidosa. Por vezes se fechava completamente, como a mais teimosa e tímida das ostras. É que já se havia deixado machucar tanto, tanto. Fechar-se e negar a si mesma os amores e os prazeres do mundo muitas vezes parecia ser a alternativa mais fácil, a mais segura. Elara não sabia que a segurança não existia. Não neste nosso mundo. Não sabia que arriscar-se era o único caminho. A única maneira de viver: de viver por inteiro. De ser plena, por dentro, e por fora.

Elara queria companhia, queria um amor. Um amor desses de fazer perder a cabeça, de fazer transbordar o peito machucado, de dar sentido à alma, de dar sentido, e cores, à vida. Mas toda vez em que arriscava colocar um dos pés para fora do seu mundo fortemente murado, logo se recolhia outra vez, assustada e insegura. Lá fora parecia que o chão dançava, e ela então se desequilibrava, perdia os passos, o ritmo, a música, a dança. A vida.

Ela queria se aproximar das pessoas que mais lhe interessavam, e dizer coisas. Dizer que o seu nome era o nome da décima segunda lua de Júpiter, que gostava das estrelas, que sabia o nome de muitas delas, e de várias constelações e aglomerados. Queria dizer que sua formação estelar favorita eram as Plêiades, formada por sete estrelas irmãs. E que aquela manchinha bem pálida e discreta, aquela perto da cauda da constelação de Escorpião, tão semelhante a ela mesma por sua discrição, chamava-se Messier 7, ou Aglomerado de Ptolomeu. Mas isso talvez não interessasse a mais ninguém. Queria dizer que gostava de perder-se por horas olhando o mar, e sentindo o vento bater nos cabelos. Que amava a natureza e os animais, e que tinha pensado em ser veterinária ou bióloga marinha. Queria dizer que gostava de fazer longas caminhadas sozinha no parque, pensando, pensando, e ouvindo Elliott Smith no celular. Dizer que o seu grande sonho de criança era ser uma bailarina profissional, e viver dançando e viajando pelo mundo todo com sua arte. Dizer que amava arte. E que também adoraria passar a vida toda estudando e frequentando ambientes acadêmicos. Queria dizer que era fascinada por aviões, especialmente os modelos antigos, e os militares. Mas talvez... isso não interessasse a mais ninguém.

Um dia, enquanto olhava por entre as frestas, Elara viu alguém e se apaixonou. Como nunca na vida havia se apaixonado. Era um amor desses de fazer perder a cabeça, de fazer transbordar o peito machucado, de dar sentido à alma. De dar sentido, e cores, à vida. De repente ela sentia que tudo estava no lugar onde deveria estar. Exatamente onde deveria estar. Menos ela. Ela que erguera uma torre tão forte e tão alta em torno de si própria, e que agora já não sabia mais como sair. Amava desesperadamente, mas não podia, não conseguia estar perto daquele que era o objeto de sua grande paixão. Trocaram apenas alguns olhares e sussurros por entre aquelas frestas.

Então, apavorada, Elara procurou algo com que pudesse construir uma escada até o alto, e então escapar da gigantesca torre que erguera ao redor de si. O trabalho foi lento. Muito lento. E ela tinha medo de que, ao chegar lá em cima, ele talvez já não estivesse mais lá. Mas continuou firme, constante, com as forças que só a paixão é capaz de dar às pessoas. E enfim a escada ficou pronta. Postou-se no último degrau e olhou em volta. O vento soprando forte em seu rosto e despenteando os cabelos longos, desfraldando o longo vestido branco. O sol havia se posto há poucos minutos, e ela parecia estar agora bem perto das estrelas. Era quase como se pudesse tocá-las. E a vista lá de cima era algo incrível. Mas onde estaria ele?

Cuidadosamente, amarrou, uns aos outros, pedaços de cordas, de roupas, de lençóis que trouxera consigo, rezando para que aquilo fosse o suficiente. E começou a descer com todo cuidado. Mas... onde estava ele? Será que não a correspondia? Será que a luz dos seus olhos e a maciez da sua voz, as palavras sussurradas por entre as frestas daquela muralha, não o haviam tocado, como ela imaginara? Muito angustiada, continuou a descer com cuidado. Mas a certa altura, reparou em algo que antes não havia notado. No lugar onde antes estava o rapaz, erguia-se agora uma outra torre, um pouco mais baixa do que a dela, e aparentemente mais recente.

Pôs, enfim, os pés no chão. Como era bom sentir a grama sob os pés descalços, e um tanto machucados. Chamou-o pelo nome. Nenhuma resposta. Chamou outra vez, e ainda outra. Nada. Nem ao menos uma espécie qualquer de eco. Foi então que viu aquele pedaço de papel já meio amarelado pelas intempéries, pregado a uma pedra, à altura dos olhos. Aproximou-se. A assinatura era dele. Elara, ele dizia, eu esperei por você. Mas tive medo. É que eu já me deixei machucar tanto, tanto. Eu quis um amor. Um amor desses de fazer perder a cabeça, de fazer transbordar o peito machucado, de dar sentido à alma. De dar sentido, e cores, à vida. Mas quanto mais você demorava, mais o meu medo crescia. Erguer esta torre em volta de mim foi a única maneira que encontrei para me proteger. Para não me ferir mais. Não podemos estar juntos. Nossos espinhos acabariam por ferir um ao outro. Espero que entenda. Espero que respeite esta torre que fiz para a minha própria segurança, e para a sua. Para o meu próprio bem, e para o seu. Não procure subir. Não procure ir além dos limites que eu lhe impus. Esqueça-me. Será o melhor para os dois. Cuide-se bem, e seja feliz. No fim da mensagem, bem lá embaixo, e com uma caligrafia mais apressada, ela leu: tome aquele banho de mar que teríamos gostado tanto de tomar juntos.

Elara estava perplexa. Mortificada. Arrancou da pedra aquele papel, e com ele nas mãos, andou sem destino por muito, muito tempo. De vez em quando avistava um par de torres altas. Até que elas foram escasseando, pouco a pouco. Sentia a brisa, o cheiro e a proximidade do mar. Ah, o mar. O alívio para todas as dores que dançavam sem licença dentro dela. Dores que ela ainda não conseguia compreender, e nem nomear. Àquela altura o céu já começava a clarear, bem aos poucos. Andou na direção do mar, devagar, ainda com o papel nas mãos. A espuma das ondas tocou seus pés. O vento estava forte, agitando-lhe os cabelos e o longo vestido branco. Descalça, foi adentrando cada vez mais aquela imensidão salgada. De repente nada mais importava. De repente, tudo por que ela ansiava era pertencer àquela imensidão azul. Tão calma. Tão bonita e tão calma. Foi quando uma mão tocou seu ombro direito. Se pudesse, ela teria saltado, tamanho o susto.

Elara, disse ele. Eu te esperei. Eu sabia que viria para cá. Tive muito medo, e construí aquela torre em volta de mim. Mas então tudo deixou de fazer sentido. E eu escalei a torre. E saí. E agora, Elara perguntou, agora faz sentido? Eu quis um amor, ele disse. Um amor desses de fazer perder a cabeça, de fazer transbordar o peito machucado, de dar sentido à alma. Ela o olhou nos olhos úmidos enquanto ele continuava. Quis um amor de dar sentido, e cores, à vida. E ele não estava dentro da torre. Ele está aqui?, ela perguntou. Está, ele disse. Eu? Perguntou outra vez. Eu, ele disse. E encheu as mãos com a água do mar, e encharcou o vestido e os cabelos dela. Ela encheu as mãos também, e o encharcou inteiro. As risadas ecoaram longe. E foram ouvidas dentro das outras torres, não muito longe dali.

Naquele mesmo dia, bem mais tarde, se não houvessem prestado atenção apenas um no outro, os dois teriam visto dezenas de cordas sendo atiradas para fora das torres.



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Grande parte de toda dor vem dos espinhos, e dos muros, com que precisamos nos armar e nos cercar para dar conta dessa vida.

Ouvindo: Elliott Smith, Between the Bars 

Nothing's gonna change my world

Outro sequestro. Adoro essas músicas que vêm à minha mente do nada e trazem uma mensagem que eu precisava ouvir.

"Nothing's gonna change my world."

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No problem

E essa é porque eu sou fã mesmo, e porque hoje é sexta, né? Vamo colocar esse humor pra cima.
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This is it, the apocalypse.

Lindsey Stirling, um violino, um violoncelo e o absolutamente maravilhoso Pentatonix​ num cover lindo do Imagine Dragons. 

"This is it, the apocalypse."
Mas, de qualquer forma, a gente vai sobrevivendo.
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quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Por entre as barras

Na minha cabeça essa noite.
Sinto-me cada vez mais em casa aqui.


Between The Bars

Drink up, baby, stay up all night

The things you could do, you won't but you might
The potential you'll be that you'll never see
The promises you'll only make

Drink up with me now and forget all about the pressure of days

Do what I say and I'll make you okay and drive them away
The images stuck in your head
People you've been before that you don't want around anymore
That push and shove and won't bend to your will
I'll keep them still

Drink up, baby, look at the stars, I'll kiss you again

Between the bars where I'm seeing you
There with your hands in the air waiting to finally be caught

Drink up one more time and I'll make you mine

Keep you apart deep in my heart separate from the rest
Where I like you the best
And keep the things you forgot
The people you've been before that you don't want around anymore
That push and shove and won't bend to your will
I'll keep them still                  

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Papo sério. Mas nem tanto.

Há muitos anos acompanho o trabalho do Saulo Calderon e os vídeos que ele grava. O trabalho dele é sobretudo dedicado a quem tem experiências de estar fora do corpo, as chamadas "projeções astrais", ou "viagens astrais", e as utiliza para fazer o bem, amparar e ajudar almas que sofrem. Eu, na verdade, ainda não consegui ter nenhuma experiência fora do meu próprio corpo. Tentei algumas vezes, relaxei e deixei meu corpo estar, e a minha mente vagar, mas sempre que sentia que algo estava para acontecer, quando tudo começava a rodar e a parecer fora de lugar, quando eu sentia o meu corpo extremamente leve, flutuando e prestes a ter uma dessas experiências, eu sempre acabava interrompendo, por medo. Mas muita coisa mudou de lá pra cá, e eu provavelmente vou procurar repetir a experiência qualquer dia desses. Seja pela técnica do “Cordão de Prata” ou por qualquer outra. Mas gosto muito de acompanhar os vídeos que o Saulo grava, com as "Frequently Asked Questions", pelas ideias maduras, embora cheias de brincadeiras descontraídas que eu adoro e que fazem parte, pela grande experiência espiritual e de vida que ele tem a transmitir, pela base claramente espírita que eu percebo em seu trabalho e em suas ideias, e pela simplicidade, leveza e bom humor que são sua marca registrada, e que eu acho imprescindível em qualquer tipo de trabalho ou de relacionamento. Pois bem, tudo isso dito, Saulo devidamente apresentado, lá fui eu fazer a ele a minha primeira pergunta, depois de tantos anos acompanhando o seu trabalho. E, olha só, fui logo selecionada, e a primeira a ser respondida no vídeo!

Muitíssimo obrigada, Saulo, pelo carinho, pela atenção e pela resposta animadora. Perguntei a ele o que se deve fazer quando tudo parece sem solução, sem saída, quando tudo na sua vida parece de repente estar arruinado. Eu tenho questões internas muito complexas, sou bipolar, borderline, tenho fobias paralisantes e crises de pânico horríveis, muitas vezes uma se confundindo com a outra, mas me trato há muitos anos para resolver essas questões. Certamente dependo de remédios para controlar tudo isso. Não posso passar sem eles, e essa tem sido a grande prioridade de nossa família: a saúde. Ao mesmo tempo tenho muitas questões externas também. Atualmente parece que tudo se arruinou, não de uma hora para a outra, mas foi um processo, algo desencadeado por escolhas minhas, e algo desencadeado por coisas da vida mesmo, a que todo mundo está sujeito. Uma dessas minhas escolhas foi uma mudança de uma cidade para a outra, assim que percebi que estava me sentindo mais segura, procurando desesperadamente me arrancar de uma inércia de morte após dois longos períodos de depressão, e ao mesmo tempo louca por acumular experiências novas, porém contando quase que unicamente com o meu imenso otimismo. Em relação a questões externas, fui perdendo quase tudo aos pouquinhos... perdi minhas malas com muitas das minhas coisas mais caras (para mim, não no sentido financeiro), perdi a maioria das minhas roupas, calçados, acessórios, livros, inclusive alguns bem antigos e de valor sentimental para mim e para meu pai, dvds, materiais de trabalho, perfumes caros, documentos e coisas emprestadas pelos outros inclusive. Fui assaltada e perdi meus documentos praticamente todos. Perdi meus óculos, e até que eu consiga fazer óculos novos, pois nossa situação financeira anda extremamente complicada, estou sendo obrigada a ler tudo com o auxílio de uma lupa horrível, prejudicando ainda mais a minha visão. Minha meta de leitura anda extremamente atrasada por isso, além das confusões da mudança no primeiro semestre. Perdi meu emprego. Meu celular antigo e barato pifou, e não tenho ainda condições de comprar outro. Meu computador, também antigo, está a ponto de pifar de vez. Está extremamente lento, e já não consigo visualizar cerca de 80% das imagens, e nem acessar cerca de 70 a 80% das páginas que tento abrir, mesmo depois da formatação. Perdi minhas coisas físicas, e as virtuais também, uma vez que terminei um namoro breve e recente (outra perda), e os meus dvds de backup ficaram com ele, que decidiu que aquilo precisava ser passado imediatamente para um HD externo, para que eu não perdesse os meus documentos, vejam só que ironia do destino. E agora eu simplesmente não consigo mais entrar em contato com ele, desde que terminamos. Então aí lá se vão meus documentos virtuais, projetos, meus textos todos, desde a época do meu primeiro blog, em 2004, projetos de livros e livros completos, fotos de família, de amigos, de eventos importantes como a formatura dos meus irmãos e de amigas, do casamento do meu irmão e de uma de minhas melhores amigas, de quem eu fui madrinha. Perdi recordações, planos, tudo, tudo o que eu tinha no computador que levei para formatar, e não tive tempo de passar novamente para o meu computador. Minhas coisas foram indo embora, inclusive o namoro, assim, uma por uma, até restar quase que apenas... eu. Meu relacionamento com a família está péssimo, além de tudo. E ainda tenho me sentido extremamente sozinha. Apesar de desejar amor, amizade e companhia como um beduíno deseja água no deserto, tenho muito medo de voltar a errar com as pessoas, com os amigos, familiares e amores que foram ficando para trás, por causa da impulsividade e da perda dos limites, da medida das coisas, quando meus sintomas bipolares e borderline estão fora de controle por alguma razão. Tenho muito, muito medo de errar com as pessoas novamente. Especialmente com aquelas que me despertam um afeto e um interesse maior. Então estou naquele ponto em que preciso recomeçar do zero. Mas do zero mesmo. Mas sou forte, muito forte e otimista. Eu acredito que quando vim a este mundo, ou fui eu quem escolheu provas bastante pesadas, ou elas foram escolhidas para mim. Mas estou aqui, firme, forte, e querendo lutar, e me reconstruir. Não é à toa que o meu arcano, no Tarot, é o de número 16. A Torre, ou A Casa de Deus. Queda de coisas que precisavam ser mudadas, destruição de toda ilusão, reconstrução e conhecimento. Sei que em algum momento as coisas irão entrar nos trilhos outra vez. E melhores do que antes, acredito.

Deixo aqui então a resposta do Saulo, logo nos primeiros minutos do vídeo. Que ela possa servir para tantas outras pessoas que se encontram, também, momentaneamente perdidas e sem chão.
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Anexo 1: Vim pedir perdão pelas "provas bastante pesadas". Afinal, ainda que pouca gente saiba o que é passar por uma desesperadora crise de pânico e enfrentar certos transtornos mentais e suas respectivas comorbidades, muita, mas muita gente sabe o que é perder tudo, e o que significa não ter nada. Mas nada mesmo além de si, e dos entes queridos. Muitas vezes, nem com os entes queridos se pode mais contar. A gente na verdade tem mais é que agradecer, agradecer pelo que tem, ainda que seja pouco, e agradecer especialmente pela oportunidade que essas crises nos trazem de vencermos mais uma batalha, e dela sairmos ainda melhores e mais fortes. Envergonho-me. Apesar de toda a minha história difícil de vida, apesar de todo o peso, de todas as atribulações por que tenho passado, bem ou mal eu tenho dado conta de carregar essa cruz que me foi confiada. E vou continuar a carregá-la. De cabeça erguida.

Anexo 2: Andei dizendo por aí que estava passando por um momento em que minha vida parecia arruinada. Preciso muito desmentir essa afirmação, e pedir perdão. Porque quem tem bons amigos, quem ama e é amado de volta, tem tudo. Tudo o que realmente importa nessa vida.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Recado

Trazendo um aviso importante do facebook para cá: 

Quando posto algo sobre tristeza, uma tristeza que é certamente passageira, porque eu já decidi aqui dentro que não vou me entregar a nenhuma outra depressão enquanto eu puder escolher, eu preciso apenas de compreensão, de carinho e, se possível, de companhia. Porque tenho, sim, me sentido miseravelmente sozinha. Não me falta coragem, apesar de que é sempre bom ouvir um incentivo. Não me falta força, isso eu tenho de sobra, pra dar e pra vender. Não me falta um lado espiritual desenvolvido, porque eu sempre fui, e sou cada vez mais, extremamente espiritualizada, e tenho toda essa questão muito bem definida dentro de mim, apesar de me considerar oficialmente agnóstica. Não tente me fazer comprar suas crenças, e o seu modo de vida. Tenho os meus. E não, não vou apagar e nem procurar evitar expressar aquilo que é uma parte extremamente importante de todo esse meu processo de amadurecimento e crescimento pessoal. Seria como tentar apagar uma parte importante do meu próprio caminho, e da minha própria história. Seria como tentar arrancar aqueles degraus quebrados que eu precisei atravessar. Aqueles mesmos que, se não estivessem ali, eu nunca teria atravessado. Devo muito a eles. Inclusive os meus melhores momentos. E não tenho medo de viver por inteiro, as boas e más coisas, os sentimentos agradáveis e aqueles que não o são de maneira alguma. Não tenho medo de mergulhar nos meus próprios sentimentos, sensações e pensamentos e de me conhecer cada vez mais e melhor. Imagino que certas postagens devem incomodar. Mas se você quiser me aceitar, vai ter que ser por inteiro. Não sou, e nunca fui, mulher de metades.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Dos caminhos

O caminho da gente é sempre, e invariavelmente, um caminho desgraçadamente solitário. Aquele por onde ninguém mais pode passar pela gente. Aquele que ninguém mais pode sentir pela gente. Ainda que a gente se doe sem medidas. Ainda que um ou outro possa, eventualmente, nos acompanhar.

Recitando

Ha! A pessoa pobre quando pega o iPhone da irmã emprestado vira criança, né? Recitei dois dos meus grandes poemas favoritos. O primeiro é de autoria da brasileira Adélia Prado, "O Intenso Brilho".

O Intenso Brilho
Adélia Prado

É impossível no mundo
estarmos juntos
ainda que do meu lado adormecesses.
O véu que protege a vida
nos separa.
O véu que protege a vida
nos protege.
aproveita, pois,
que é tudo branco agora,
à boca do precipício,
neste vórtice
e fala
nesta clareira aberta pela insônia
quero ouvir tua alma
a que mora na garganta
como em túmulos
esperando a hora da ressurreição,
fala meu nome
antes que eu retorne
ao dia pleno,
à semi-escuridão.
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Este é o segundo poema, da norte-americana Sylvia Plath. "Mad Girl's Love Song".

Mad Girl's Love Song
Sylvia Plath


I shut my eyes and all the world drops dead;
I lift my lids and all is born again.
(I think I made you up inside my head.)
The stars go waltzing out in blue and red,
And arbitrary blackness gallops in:
I shut my eyes and all the world drops dead.
I dreamed that you bewitched me into bed
And sung me moon-struck, kissed me quite insane.
(I think I made you up inside my head.)
God topples from the sky, hell's fires fade:
Exit seraphim and Satan's men:
I shut my eyes and all the world drops dead.
I fancied you'd return the way you said,
But I grow old and I forget your name.
(I think I made you up inside my head.)
I should have loved a thunderbird instead;
At least when spring comes they roar back again.
I shut my eyes and all the world drops dead.
(I think I made you up inside my head.)
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domingo, 20 de setembro de 2015

De quando o pop era bom

Na minha cabeça essa noite. Essa é de quando o pop ainda valia a pena. Os arranjos musicais eram péssimos, é verdade, alguns até irritantes. Mas a melodia e algumas letras compensavam tudo. Cyndi era absolutamente diva. Os Goonies que o digam.

E a vida parecia tão mais respirável naquela década de oitenta...
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sábado, 19 de setembro de 2015

Stronger

"Thank you India
Thank you terror
Thank you disillusionment
Thank you frailty
Thank you consequence
Thank you thank you silence"

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Blue Ruin

Quando tudo parece estar no chão, a única alternativa possível é reerguer-se.

Arcano

XVI. A Torre ou Casa de Deus
O Arcano da Libertação e da Construção
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Significados simbólicos:
Rompimento das formas aprisionadoras, liberação para um novo início. Desafios dos momentos de transição. Destruição da rigidez e das cristalizações desnecessárias. Abertura. Conhecimento. Desmoronamento e queda. Quebra dos limites de segurança.
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Interpretações catastróficas do meu arcano nunca me interessaram.
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Por curiosidade, a numerologia considera o 16 como um 7. A energia dupla sob a qual eu nasci, e o número que eu adotei no coração desde os meus sete anos de idade. Todos os números a partir de dois dígitos são somados, com exceção do 11, que é considerado o número da luz e da perfeição. E sim, quando mais nova eu tinha essa mania de ficar somando tudo que era número, e depois comparar com os significados da numerologia, em que eu, aham, não acreditava. Ainda bem que a mania passou, né? rs
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Certas memórias ficam pra sempre claras na cabeça da gente, né? Lembro perfeitamente daquele dia de aniversário. "Você está fazendo sete anos.", "Que legal! Eu adoro o número sete! Acho que é o número mais bonito que existe! Vou adorar ter sete anos!", "Sabia que você nasceu em 77?", "É mesmo? Que legal!!!". De fato, aquele foi um ano incrível na minha vida. Fui muito feliz, brinquei muito, fiz ótimas viagens, e fui premiada com uma medalha de primeiro lugar pelo meu primeiro livrinho, escrito aos seis anos, num concurso de literatura infantil do SESI. Foi também o ano da minha estreia nos palcos. Minha primeira maquiagem nos camarins, meu primeiro figurino, de Alice, do Lewis Carroll, minha primeira vez atrás das coxias, minha primeira vez sob as luzes transformadoras de um palco, meu primeiro público. O espetáculo tinha sido produzido e dirigido por meus pais, em ocasião do meu aniversário, e do aniversário de minha irmã, que é dez dias depois do meu. O texto da peça era uma adaptação de autoria de minha mãe. O elenco contava com cerca de sessenta crianças. Absolutamente inesquecível.

Um pouco mais tarde, entre os dez e os doze anos de idade, meu único amiguinho na escola era o Astolfo. Ele tinha nascido em 7/7/77, e tinha umas ideias meio alucinadas sobre Budismo. Aprendi algumas coisas sobre essa religião com ele. Gostaria de saber por onde ele anda...

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Impasse

Quanto mais o coração transborda, mais a cabeça julga.
Quanto mais a cabeça julga, mais o coração transborda.

Humor: arrasada.
Ouvindo: Amy Winehouse, You Know I'm no Good
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Tudo o que ainda não feri

“Tudo o que em nós ainda não morreu, cercado por tudo o que já mataram, é uma ilha."
Solidões, Oswaldo Montenegro, 2013

Tudo o que eu ainda não feri, ou arruinei, cercado por tudo o que não resistiu... é também uma ilha.

Ouvindo: Beck, Everybody's Got To Learn Sometime.
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quinta-feira, 17 de setembro de 2015

"The world forgetting, by the world forgot."

"It's goddamn freezing on this beach. Montauk in February. Brilliant, Joel. Page is ripped out. Don't remember doing that. It appears this is my first entry in two years..."

Diário de uma border bipolar

Mesmo naquilo que dói, como a pior das bofetadas, como uma porta que bate na cara, enxergo que há algo muito errado e que passou da hora de desacelerar... O mal já está feito. A compreensão veio tarde demais, outra vez. Só me resta respirar fundo, procurar a sensatez que foi parar lá no fundo da bolsa, pedir perdão mais uma vez, e agradecer ao responsável, já com a consulta devidamente adiantada, e a nova medicação devidamente suspensa. Quanto mal é preciso causar a quem se quer bem? Quantas vezes é preciso errar, sofrer e fazer sofrer até que as coisas cheguem ao seu devido lugar? A cura de fato existe? Vai existir um dia?

Humor: arrasada.
Ouvindo: "Breathe", Urban Myth Club.

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quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Sobre mercúrio e conexões

Aos vinte anos eu já falava com parceiros e namorados sobre essa "conexão verdadeira" que eu sonhava tanto ter com o outro. Uma ligação genuína, realmente entregue, que fizesse sentido, que fizesse tudo valer a pena. Uma ligação profunda, sem medos e sem amarras. E me lembro de alguns deles me perguntando: mas o que é afinal essa "conexão" que você espera ter com alguém? Eles não sabiam. Talvez não se importassem. Talvez nunca tivessem pensado a respeito. Mas para mim aquilo tinha que valer. Tinha que ser entrega de verdade. Uma ligação qualquer que não se desfizesse por completo daí a dois meses. Daí a duas semanas. Mas a gente cresce, amadurece, e começa a ver as coisas com mais clareza. E entende que a gente é absolutamente prescindível. Desgraçadamente prescindível. Toda vez que você acredita na possibilidade dessa conexão, toda vez que você começa a acreditar, ela se desfaz no ar, escorrega por entre os seus dedos. Como quando você era pequeno, adoecia e sua mãe vinha medir a sua febre com aquele termômetro de mercúrio, e você levantava para ir ao banheiro, se descuidava e deixava o termômetro cair dentro da pia e quebrar, e aquela coisa prateada serpenteava e descia pelo ralo com tanta rapidez que você ficava perplexo por um ou dois minutos, procurando entender como aquilo tinha acontecido. E como tinha acontecido tão rápido. Você não sabia se lamentava ou se ficava surpreso, ou se preparava uma desculpa para explicar o desastre. A maior parte dos relacionamentos, especialmente os de hoje, fatalmente os de amanhã, é como o mercúrio. Apenas lampejos. Vislumbres do que poderia ter sido. E nunca foi.

Você não é imprescindível. Você não é especial. E você enfim entende que as pessoas sempre estiveram, estão e estarão cada vez mais preocupadas em estabelecer laços, sim: consigo mesmas. A ter responsabilidades dentro de um relacionamento. Consigo mesmas. A se abrirem de verdade. Para dentro de si mesmas. E a se fecharem lamentavelmente para o outro, para o mundo do outro. Para a descoberta do outro. Para as tentativas algo persistentes. Para a possibilidade dos erros, mas também dos acertos. Os relacionamentos de hoje, perdoem a amargura de alguém que jamais teve sorte, existem, sim, em um grau bastante profundo. Com nossos celulares. Com o notebook, o tablet, o ipad, o Mac. Que a conexão esteja rápida. Que eu consiga postar a minha foto do pôr do sol antes que ele se ponha. Que a pessoa do lado não atrapalhe a foto. Que a conversa seja breve, e que quase nada signifique. Que os sorrisos e os olhos nos olhos sejam escassos, porque, olha só, eu não tenho muito tempo. "E o amor, o que é?" "Filha, essa você vai ter que pesquisar no google, porque a mamãe já se esqueceu." "E conexão, mamãe?" "Conexão? Essa a mamãe sabe. Isso é o que eu pago caro todo mês que é pra você poder usar o google e parar de me fazer tanta pergunta." É verdade. Eu deveria ter adivinhado aos vinte anos. Conexão acabaria por ser tudo o que não iria me faltar. Mas só se não faltar luz. E se as contas estiverem pagas.

And so it goes

Meu mais novo grupo favorito..
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Unforgiven

So I dub the unforgiven.

Essa foi a primeira música que eu coreografei na vida. Eu tinha dezessete.

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Sonhos

Esta noite eu tive um sonho tão bonito.
Sonhei que toda cura era possível
Que minha essência não era veneno
E que a vida não era caos.
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Sylvia

"Kiss me, and you will see how important I am."
― Sylvia Plath

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Cum Laude

"Cada um sabe a dor e a delícia
de ser o que é."

Na maioria dos estados da América do Norte e em algumas instituições do Brasil a expressão em latim "Cum Laude" é usada para destacar e reconhecer, no ato de sua formatura, estudantes que alcançaram excelente nível durante seu desenvolvimento acadêmico. É o equivalente a dizer que certa pessoa se formou com honra, com merecimento. Da maneira como três de meus irmãos se formaram, cada um em sua área. Pois bem, vamos falar um pouco sobre merecimento.

Corre por aí um certo pensamento, não de todo equivocado, que afirma sermos merecedores de tudo aquilo que nos acontece de bom ou de mau. O que existe de melhor nesse tipo de pensamento, na minha opinião, é tirar a responsabilidade por nossas conquistas e nossa felicidade das mãos de uma providência divina qualquer, e devolver ao homem o poder de, ele mesmo, batalhar e alcançar bons resultados através de seu próprio esforço e merecimento. Até aí, excelente. Outra coisa que acabo inevitavelmente considerando nesse cenário, uma vez que fui espírita kardecista por mais de dez anos e, apesar de me declarar hoje agnóstica, mantenho grande parte dessa doutrina como base dos meus pensamentos, ações e motivações, é o que poderíamos chamar, para facilitar, de “karma”. A Doutrina Espírita tem como base a evolução pessoal e social, e a responsabilidade que cada um tem por si mesmo e por seu próprio desenvolvimento em todo esse processo. Além de estimular, sempre e fortemente, o auxílio no desenvolvimento de outras pessoas. Aqui também existe a noção de que, para toda ação, existe uma reação correspondente. Tudo o que se faz de bom ou de ruim acarreta, aqui mesmo ou em uma possível vida futura, suas devidas consequências. Acredito muito nisso, especialmente no que tange à vida que estamos vivendo agora, neste exato minuto.

Acontece que nem tudo está fatalmente, e facilmente, atrelado à nossa vontade, ou à força de nosso trabalho. O que dizer das pessoas com alguma doença terminal, e que sempre levaram uma vida correta, ética, justa e bonita, como minha mãe levou até o final? Alguém vai me dizer que o câncer foi uma escolha dela? Foi algo pelo qual ela batalhou, ou algo que de alguma forma ela mereceu? Todos os doentes terminais, todas as pessoas na fila da hemodiálise ou à espera de um órgão para ser doado, todo o sofrimento dessas pessoas e de suas famílias, foram escolhas? Quero aqui deixar de lado o “karma” e trabalhar somente com aquilo que podemos de fato provar. Tragédias e doenças terminais seriam, então, uma opção? Deficiências físicas ou mentais são uma opção? São uma escolha? Tsunamis e terremotos arrasando cidades e países inteiros são uma escolha? Aquele garotinho imigrante morto na areia da praia estava lá por opção própria? Toda a fome e sede nos países mais pobres, e mesmo no Brasil, foi uma escolha de todas as pessoas que passam por essa situação? Alguém desesperadamente condenado a uma cadeira de rodas pelo resto da vida, ou à falta de um membro qualquer, o fez por opção? O físico teórico e cosmólogo britânico Stephen Hawking escolheu estar preso àquele estado? Todas as pessoas que atravessam problemas psicológicos e patológicos como fobias, Síndrome do Pânico, Transtorno Obsessivo Compulsivo, Transtorno Bipolar, Transtorno de Personalidade Borderline, Esquizofrenia, todas essas pessoas simplesmente optaram por sofrer dessa maneira e fazer sofrer junto toda a sua família, relacionamentos afetivos e amigos? Uma forte depressão que se atravessa, ou com a qual se luta bravamente para não ceder, é uma escolha? Seriam todas essas coisas simples opções de vida, facilmente modificáveis e tratáveis, feitas apenas por diversão, ou por falta do que fazer?

Acredito, sim, que para toda ação existe uma reação. Mas quanta coisa foge ao nosso controle? Somos infinitamente pequenos e frágeis, e o poder de controlar a vida, o planeta, o universo, não é nosso. Esse poder infelizmente não nos foi dado. Nossa responsabilidade vai até certo ponto. Mas não, muitos, mas muitos acontecimentos nessa nossa vida não foram por uma escolha nossa. Existem certos limites. Melhor dizendo, somos incrivelmente limitados, ainda. Ninguém, ninguém sabe o que é estar no lugar do outro, no olho do furacão que é o outro, passando pelas dores que o outro passa. Ninguém sabe como ou por que determinada pessoa chegou àquele estado, e ninguém sabe da grandeza da luta íntima de cada um. Cada um sabe de si, apenas. Cada um sabe o peso e a dor do fardo que carrega. Portanto, um pouco de respeito e empatia em relação a alguém que está passando por uma dificuldade qualquer, esse ato bonito de procurar se colocar um pouco no lugar do outro, e de procurar compreendê-lo é, no mínimo, mas no mínimo, de bom tom. De bom senso. É um dos maiores atos de humanidade a que alguém pode se prestar. Nesse caso, sim, eu diria que a pessoa está passando pela vida com louvor. Cum LaudeSumma Cum Laude. Basta olhar para o lado. Basta se importar.

Ouvindo: Partido Alto, Chico Buarque.
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sábado, 12 de setembro de 2015

Outubro

     "Nesse momento, os sinos começaram a dobrar a finados. O coronel esquecera-se do enterro. Enquanto a mulher tomava o café, desprendeu a cama da rede por uma das pontas e enrolou-a pela outra, para trás da porta. A mulher pensou no morto.
     _ Nasceu em 1922 _ disse ela. _ Exatamente um mês depois do nosso filho. A sete de Abril.
     Continuou a sorver o café nos intervalos da sua respiração ofegante. Era uma mulher constituída apenas de cartilagens brancas por cima de uma espinha dorsal arqueada e inflexível. As perturbações respiratórias obrigavam-na a perguntar afirmando. Quando terminou o café ainda estava a pensar no morto.
     _ Deve ser horrível estar enterrado em Outubro _ disse. Mas o marido não lhe prestou atenção. Abriu a janela. Outubro já se tinha instalado no pátio."

(Ninguém Escreve ao Coronel, Gabriel García Márquez)
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Outubro está instalado aqui dentro já faz algum tempo...
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quarta-feira, 9 de setembro de 2015

Resenha: Matadouro 5

Resenha: Matadouro 5, de Kurt Vonnegut
Agosto de 2015

Apesar de ser um livro que tem uma guerra como tema central, e de não se furtar a mencionar ou descrever alguns dos horrores dessa guerra, o autor não se prende ao lado sério e político da questão, e transporta facilmente o leitor, que desde o início já se encontra certamente preso e maravilhado por seu talento, carisma, estilo e humor, através dos altos e baixos da envolvente história de Billy Pilgrim. E a partir do momento em que Kurt prende você à história dele, a essa espécie de montanha russa particular, ele faz de você e das suas emoções o que bem entende. O coração aperta, você se preocupa, se entristece, daí você relaxa, é jogado para frente e para trás no tempo, alternadamente, num recurso que chega a ser genial e provavelmente inédito na literatura, e não consegue deixar de dar boas risadas com os sonhos lisérgicos e com as experiências extra-terrenas ainda mais lisérgicas e insuspeitadas vividas por Billy. Uma das primeiras coisas que me encantaram e deliciaram nesse livro foi a descrição do momento em que Billy assiste a um filme de trás para a frente. Que puta ideia incrível. É como se o filme passasse ao mesmo tempo na frente dos olhos de Billy e dos nossos próprios olhos. Para mim foi impossível não visualizar aquilo e falar: que foda isso! Que escritor criativo e sensacional! O autor ainda nos presenteia aqui e ali com poemas e trechos de músicas inspiradores no estilo:

"Deus do céu, do relógio a batida -
ó dia infeliz, ó sorte fodida".

Juro que vou tomar isso emprestado do autor em momentos bem oportunos. Risos. Por fim eu me pego perguntando a mim mesma: por que foi mesmo que eu não li Kurt Vonnegut antes? Nada me resta agora a fazer a não ser me envergonhar de maneira apropriada e corrigir este terrível lapso. Minha avaliação? Tem mesmo como não dar cinco estrelas? Não, não tem. Coisas da vida.
 


Resenha: The Juliette Society

Resenha: The Juliette Society, de Sasha Grey
5 de agosto de 2015

Eu sempre pego um livro para ler, verdadeiramente, aberta às ideias do autor, ao estilo dele, ao que ele pode me trazer de bom através daquela leitura. Procuro sempre, sempre, deixar o preconceito de lado. Mas o fato é que em tudo existe um certo limite. Não dá para ser completamente permeável em relação a tudo, a qualquer estímulo. E num primeiro momento não consegui fazer isso em relação ao livro de estreia de Sasha Grey, famosa ex atriz pornô. E que agora também se define como diretora, cineasta, fotógrafa, musicista e artista performática. Pergunto-me, por vezes, existe algo que Sasha Grey não faça? 

The juliette Society e Sociedade Secreta do Sexo, do brasileiro Marcos Nogueira, vieram na esteira de 50 Shades of Grey. Sasha chega mesmo a citar A Ordem Secreta dos Libertinos, mencionada e pesquisada por Marcos Nogueira em A Sociedade Secreta do Sexo.

Uma das coisas que me incomodaram a princípio foi a necessidade de Sasha de se mostrar culta e cinéfila, se é que ela o é de fato, aliada a uma vontade bastante compreensível de empregar algum tipo de credibilidade ao seu livro de estreia. Me incomodaram a princípio as menções e referências excessivas e aparentemente despropositadas a filmes e a diretores consagrados, e mesmo a famosos artistas visuais como Marcel Duchamp. Cita Godard omo quem, perdoem o trocadilho, goza de certa propriedade, e chega a mencionar Cidadão Kane, de Orson Welles, para mim, intocável. Sasha ainda se propõe a analisar o filme e seu final, como uma perfeita crítica de cinema, com aquela palavra "Rosebud" dita daquela forma, e procura dar um outro significado a ela. E eu jurava que não conseguia ver de forma alguma a conexão de todas as referências cinematográficas dela com a história que ela quer nos contar. Não conseguia perceber o link. Até compreender, a certa altura do livro, que sua personagem principal era uma estudante de cinema. Ainda assim, achei todas aquelas referências bastante excessivas.

A certo ponto eu, que pensava que não me surpreenderia com mais nada relativo a práticas sexuais a essa altura da vida, senti um asco semelhante ao que tive quando assisti uma certa cena de O Último Tango em Paris, ou quando li alguns trechos de A História do Olho, de Georges Bataille, ou do sofrimento da Menina Má nas mãos de seu amante japonês em Travessuras da Menina Má, de Mario Vargas Llosa, no momento em que Sasha me revela a existência do "drilldo". Se você também até agora não sabia o que era isso, faça uma pesquisa de imagens no google e entenda o porquê do meu asco e da minha revolta. Anos e anos de dedicação de grande parte das mulheres ao feminismo, à igualdade de direitos e de respeito entre os sexos, e de repente me deparo com aquele aparelho de tortura moderno, que se encaixaria de maneira muito mais apropriada na Idade Média. Existe uma sexualização e uma objetificação excessivas da mulher, e somente da mulher, na história que Sasha Grey nos conta. E em vez de valer-se da fama, da notoriedade e da influência que tem para criar uma obra qualquer que não ostentasse a misoginia, e colocasse certos valores feministas no devido lugar, ela faz justamente o contrário. Exalta essa objetificação feminina. Ela provavelmente não está interessada no lado intelectual, político e prático dessa brincadeira toda. Se é que ela sabe que existe algum.

Por vezes ela me vem com trechos absolutamente insólitos do tipo:

"Que desperdício de energia preciosa. Se ao menos alguém inventasse uma maneira de estocar essa energia na fonte. Ou encontrasse uma maneira de transformar em combustível os bilhões de Kleenex rígidos de porra descartados diariamente. Se alguém descobrisse como fazer isso, a maioria dos problemas de energia do mundo seria resolvida em um piscar de olhos. Acabariam as guerras pelo petróleo. Não haveria mais pegadas de carbono. Nada de resíduos nucleares. Nem mais um centavo da arrecadação de impostos gasto em pesquisas de fusão a frio."

Continuo até agora sem saber se acho graça do referido trecho ou se só fico mesmo com pena da mentalidade excessivamente fértil de Sasha.

Sua tentativa de transformar o professor Marcus numa espécie de Norman Bates da literatura também não foi bem sucedida. Achei a ideia claramente pretensiosa, e a tentativa, fraca e ineficaz.

Não consegui me excitar realmente lendo essa primeira história de Sasha Grey. Acho que ela erra um pouco a mão na medida do que é explícito, enquanto eu prefiro histórias um pouco mais sutis, que deixem a imaginação respirar e trabalhar um pouco também.

No entanto não dou uma estrela, mas duas. E o fato não é por caridade. Em muitos momentos a história contada por Sasha consegue realmente entreter e fazer você se perguntar o que virá a seguir. Seu primeiro livro tem lá o seu mérito. Existem alguns personagens interessantes e com potencial, tipo Kubrick e Bundy. A história flui, perde um pouco o ritmo lá pelo meio e então se recupera com a chegada de um novo personagem e o fator suspense como bônus. A leitura é fácil, extremamente acessível e simples, como imagino que devem ser os potenciais leitores de Sasha.

Os elementos estão todos lá: alguns personagens interessantes e relativamente bem trabalhados, dinheiro, poder, sexo, suspense, mistério, aventura, romance (extremamente morno entre Jack e a protagonista). A fórmula básica dos best sellers está ali. De maneira que, com um pouco mais de prática, dedicação, talento e investimento financeiro, por que não, Sasha pode acabar um dia chegando lá.

E, claro, como aspirante a cinéfila que sou, não me furtei a anotar títulos de filmes e alguns diretores por mim ainda desconhecidos para conferir depois. ;-)

Resenha: Não Sou Uma Dessas

Resenha: Não Sou Uma Dessas, de Lena Dunham
Agosto de 2015

Ainda não assisti Girls, estrelado, escrito e dirigido por Lena Dunham, mas vi Tiny Furniture no ano passado, e vi aquilo como um tipo de exercício para alguém que sonhava e planejava virar cineasta, o que para mim era a verdade. Considerei-o uma primeira tentativa muito válida. Morna, desinteressante por vezes, mas que tinha todo o direito de estar ali, e de ser daquela forma, uma vez que era algo de fato experimental, realizado por alguém ainda muito jovem. Um trabalho absolutamente válido. Preciso agora conferir Girls.

Acho o mesmo desse primeiro livro de Lena, um experimento despretensioso, corajoso e muito honesto. Algo que parece ser da natureza dela. Expor-se atuando ou escrevendo parece ser para ela uma necessidade, um modo de vida, algo que não poderia deixar de ser da forma que é. Portanto vou abster-me de tentar analisar esta obra de maneira estritamente literária, e séria, e vou apenas dar a Lena Dunham os parabéns pela coragem, pela ousadia que talvez lhe seja algo natural, pelo dom de se mostrar tão humana quanto qualquer outra garota da sua idade. Quanto daquilo não foi parecido com a minha própria história? Quantas vezes eu me emocionei, lendo e me lembrando de detalhes da minha própria vida? Por quantas vezes eu tive vontade de dizer "vem cá Lena, me dá um abraço, você me compreende"? Por isso não analisei e avaliei o livro como quem analisaria e avaliaria uma obra de, sei lá, Virginia Woolf, mas como uma expressão, que não deixa de ser arte, de alguém que é, como eu e como você, humana. Humana, corajosa, dona de talentos, alguém que eu espero muito que não pare de escrever e de se expor por aqui. Porque a mim, Lena Dunham, você diverte com seu bom humor extremamente particular, emociona, cativa, e ainda que em um momento ou outro eu tenha achado que o ritmo de sua escrita por vezes começa a ficar um tanto cansativo e entorpecente, seu primeiro livro volta a me tocar e emocionar, a trazer você um pouco mais para perto de mim. E como é bom descobrir que não estamos sozinhos, que alguém lá do outro lado sente os mesmos medos, angústias, pensa sobre as mesmas coisas, passa por situações que não diferem tanto das suas, alguém como você, no fim das contas. Continue, Lena. Continue. Só lhe desejo crescimento e cada vez mais sucesso.
 

Resenha: Sete Anos: Crônicas

Resenha: Sete Anos: Crônicas, de Fernanda Torres
Agosto de 2015

Me perdoem os religiosos, mas eu, quando piso num teatro, desde o primeiro passo até subir de fato ao palco, aquele clima, a penumbra, o silêncio, sinto algo parecido com o que deve sentir alguém que adentra um templo sagrado. Aquilo pra mim é sagrado. É um espaço sagrado, carregado da emoção dos que já passaram por ali e deixaram sua arte, e da emoção de cada um que já se entregou a um espetáculo que se passou ali dentro. Carregado da minha própria emoção de estar ali e de me transformar em uma artista verdadeiramente plena quando subo no tablado. A energia que rola ali, seja num teatro vazio e receptivo ou num teatro lotado e cheio de expectativa, é linda. Linda. Forte e linda. Todo teatro é sagrado.

Digo isso porque li muitas passagens desse livro de Fernanda Torres com um respeito, uma sensação de irmandade e de acolhimento tamanhos, uma sede tão grande de saber como é toda essa experiência de artista pra ela, como é cada detalhe, cada vivência, cada experiência, de saber como é a pessoa Fernanda, enfim. Considero-me uma eterna aprendiz. E por mais que se saiba nessa vida, sempre, sempre existe algo mais a se aprender. Sempre. E não me decepcionei, de maneira alguma, com essa segunda obra dela. Até porque não faz muito sentido, para mim, comparar um romance com um livro de crônicas, ainda que o autor seja o mesmo. São trabalhos diferentes, processos diferentes, metas diferentes e, quem sabe, públicos diferentes.

Fernanda se revelou, acima de tudo, extremamente humana, extremamente coerente com o trabalho que realiza como atriz, extremamente sensata e lúcida. Há tempos admiro-a imensamente. E está claro que não é só pelo seu humor bárbaro.

Fernanda nos leva, com muita personalidade e inteligência, a uma viagem incrível pelo que era o cinema brasileiro na década de oitenta e a partir de então, narra memórias preciosas, contatos com personalidades consagradas, passa pela política, pela preocupação com a criação dos filhos, pela dolorosa perda do pai, pela admiração pela mãe que vai além da atriz excepcional que é Fernanda Montenegro, e domina página a página. Por vezes nos vem com tiradas do tipo "O novo gênero livrou o cinema da obrigação de causar ereções" e afins, neste caso referindo-se às pornochanchadas. O capítulo "Leila" então, é maravilhoso, de um delicioso humor sutil que pode escapar aos menos atentos.

E se há qualquer espécie de misoginia envolvida nessa história, acredito que pode ter sido algo que ela incorporou automaticamente, através do grupo de atores e artistas com quem ela convivia então, e ao seu estilo próprio de humor, e não algo velado e intencional.

Apenas duas frases escritas por ela me incomodaram um tanto:

"A posição de vítima é, por conquista, da mulher."
"A insegurança nasceu com o teatro."

No mais, leiam e tirem suas próprias conclusões. Por mim, Fernanda leva quatro estrelas. Com louvor.