segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Você

Você, que cedo entardeceu.
Eu, que tarde amanheci.

.   .   .

"Você"

Intérprete: Elis Regina
Composição: Ray Gilbert / Roberto Menescal

Você, manhã de todo meu
Você, que cedo entardeceu
Você, de quem a vida eu sou
Eu sei, mas eu serei
Você, um beijo bom de sol
Você, que em cada tarde vã
Virá sorrindo de manhã

Você, riso lindo a luz
A paz de céus azuis
Você, sereno bem de amor em mim

Você, tristeza que eu criei
Sonhei você pra mim
Vem mais pra mim
Você

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

A Negação do Negativo

A Negação do Negativo: precisamos ser perfeitos ou precisamos ser saudáveis?

Percebemos hoje, e cada vez mais, uma negação veemente de tudo o que é considerado negativo. Negamos a nós mesmos o direito à tristeza, ao cansaço, ao esgotamento emocional, aos erros de toda e qualquer espécie. E ainda nos punimos por tudo isso. A nós e aos outros. Devemos pensar sempre positivo, mostrar-nos sempre positivos, emanar o tempo inteiro muita energia positiva, se possível com uma aura cor de rosa e chuva de purpurina. Supervalorizamos aqueles que aparentam estar sempre de bem com a vida e, ao mesmo tempo, tendemos a perceber de modo exagerado, e muitas vezes a níveis insanos, tudo o que de negativo percebemos no outro. Por quê? 

Por que esse medo de deixar transparecer falhas, deslizes, fragilidade, dor, se é o conjunto de tudo isso, do positivo e do negativo, o que nos faz humanos e mais fraternos? Nem mesmo uma simples pilha é capaz de funcionar se não possuir as duas polaridades. Mas o que realmente nos salta aos olhos, a ponto de obscurecer o que há de bom, são as falhas, as fraquezas, os deslizes. Nas pessoas, em situações de nossa vida, no mundo, enfim. O negativo tende a se sobressair, e mesmo a sobrepor o todo em muitas situações. Por que essa nossa maneira autômata de ver as coisas dessa forma? De onde vem isso? 

Ah, o medo de falhar... de mostrar-se frágil, imperfeito, humano. Aquele medo infantil de apanhar dos pais se fizermos algo errado. O medo da punição e da dor. Essa mesma dor que é tão necessária ao nosso crescimento, ao nosso desenvolvimento e à maneira à qual desejamos nos moldar. O medo da punição divina e eterna. O medo do não-pertencimento. Esse não-pertencimento que, vejam só, precisa de fato existir para que haja, em contraponto, o pertencimento e a sensação, ilusória, de segurança. Embora a segurança não seja uma das características de nosso mundo. De nossa vida, como um todo. 

Precisamos errar e sentir dor para que o acerto, o bem e o prazer se façam, assim como só percebemos e concebemos a existência da luz se houver escuridão. Seria então correta e saudável a ausência da fragilidade? A ausência da dor, do erro, do sofrimento? Isso sem dúvida é desejável. Mas: saudável? 

Foi nisso tudo que eu me peguei pensando nesta manhã, quando, tendo estabelecido para mim mesma a meta de me levantar mais cedo e bem disposta, emanando positividade por todos os poros, preparava-me para me sentar de maneira confortável, ler em voz baixa o meu mantra pessoal e meditar um pouco. Mas o que veio não foi positividade. Foi uma pontada de tristeza e de cansaço. Cansaço de mim. De todo o peso que tenho carregado até aqui. Cansaço do mundo. Dos problemas do mundo. Das dores do mundo. E dor por todo o sofrimento humano. 

As lágrimas escorreram sem pedir licença. Transbordaram. Imperaram. Mas no momento em que eu começava a reprovar esse sentimento em mim, procurando dizer a mim mesma que a melhor alternativa seria estancar aquele choro, eu parei. E me permiti. Eu dei a mim mesma a permissão de sentir o que estava sentindo, de me entregar por inteiro àquele sentimento e de deixar meu peito e minha alma drenarem tudo aquilo que me fazia mal naquele momento. Eu me permiti. Eu disse a mim mesma: tudo bem, pode chorar. Essa dor vai passar. Tudo isso vai passar. Chore. Chore por quanto tempo precisar. Vai ficar tudo bem. 

Ora, logo eu, que defendo tanto o direito das pessoas a sentirem tristeza (aquela que não configura um sintoma de depressão), a viverem essa tristeza até que ela se esgote, a viverem a dor do luto, as próprias dores, as dores de todos os seus, as dores do mundo, logo eu nào vou permitir em mim esse sentimento? Eu que aconselho pessoas a deixarem que o amigo ou o parente viva sua dor pelo tempo que for necessário e dela se esgote, colocando para fora o que, dentro, preso, certamente fará mal de alguma maneira, física inclusive? 

Permitam-se, como eu me permiti hoje. Plastificar a dor, esconder a dor, engolir o choro só nos envenena. Vivam plenamente tanto os bons quanto os maus momentos. Mergulhem neles, arrisquem-se, conheçam-se! Deixem doer! Errem! Errem muito! Errem feio, errem rude! Coragem! Sejamos inteiros. Plenos. Honestos com nós mesmos. E portanto, mais fortes. Vai passar. É a maior certeza que temos nessa vida: tudo passa. Vai passar. E coisas boas certamente virão outra vez.

Chorem. Acabem-se de chorar. E quando o peito estiver mais leve, a alma mais leve, sente-se então e entregue-se ao seu momento de meditação. Ou vá ver algo interessante na internet, ou saia para a rua e ande só por andar e pelo prazer de estar vivo e respirar. Ou vá ler um livro. Praticar um esporte. Dançar. Fazer aquela receita deliciosa de bolo. Cuidar do jardim. Passear com o cachorro. Encontrar um amigo e passar um tempo com ele. A vida é maravilhosa, é incrível, é intrigante, é instigante, apaixonante demais para ser vivida pela metade. Tenho uma amiga imensamente querida que sempre diz uma coisa muito bonita, desde que nos conhecemos: "a vida é curta demais para ser pequena". Que a gente nunca se esqueça disso.

Existe um ensinamento zen budista que compara o conhecimento a uma xícara de chá: é preciso esvaziar a xícara, jogar fora o chá que já não serve mais para beber, para que possamos então derramar mais chá fresco sobre a xícara. Eu comparo esse ensinamento com as emoções que sentimos. Como procurar encher de uma alegria forçada um coração ferido e cheio de dor? Uma alma repleta de sentimentos negativos?

Esvazie-se de tudo. Deixe tudo ir embora. Não precisa aceitar o convite daquele amigo que jura que você vai ficar instantaneamente feliz se for com ele pra balada. Respeite seu tempo, seu corpo, seus sentimentos. E procure esvaziar-se de tudo o que está machucando e envenenando você. Jogue tudo isso fora, chore, berre, grite, esperneie, soque a almofada, quebre algo (que seja seu!). E quando se sentir melhor, daqui a duas horas, dois dias, duas semanas, você estará pronto para preencher o espaço que ficou com boas e novas coisas. 

Não, você não precisa ser positivo e transbordar felicidade e contentamento vinte e quatro horas por dia. Você tem permissão para sofrer, para errar, para sentir medo, para falhar, para sentir toda a dor que estiver aí dentro. É você quem se dá essa permissão, e ninguém tem o direito de passar por cima de você, das suas decisões, dos seu valores, de tudo o que você é. Permita-se ser pleno. E seja grato por tudo o que lhe vier. Não se iluda: você vai perder muita coisa no caminho. Inclusive pessoas que lhe são tão caras. Mas lembre-se da xícara de chá. E agradeça por poder preenchê-la novamente com novos ensinamentos e tudo de bom que certamente chegará para você. 

"Tudo vale a pena se a alma não é pequena."


quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Hello, "stranger"!

Hello, "stranger"!
To N.S.

Wow, I was surprised by your answer... I could never have guessed you were even going to answer me after all this time! 

I really wanted you to know how special you are and how dearly I have been thinking of you for all these years. I do believe you are still that very special person and probably even better today. You have a beautiful soul and all this huge talent of yours! And I deeply hope everything is well with you and I hope you're happy, as long as someone can be in this crazy, crazy world.

Hope we can get a bit closer again despite all the distance between our screens. I will be very happy to have you again in my life. I believe special people should always be connected somehow. 

Well, I must confess I could be doing better today :D ... but I'm going through some problems and fighting bravely! I'm alive and breathing and deeply grateful for all this crazy experience called Life, despite all. I'm stronger and stronger and appreciating life more and more every day, because it was a choice of mine. 

I'm still living in Brazil, and I had a great experience in another city for a year. All the hard time I've been through just made me stronger now. I still love flamenco and gypsy culture like mad, I'm still in love with dance, singing, writing, reading and learning, art and culture and everything. I'm in love with Life, after all! 

I still love orange. Clementine's Agent Orange specifically. ;)  I still dive into music with all my soul and still think that music and singing is the best therapy in this world. I believe it can cure us and maybe heal the world one day. I'm still a dreamer, you see! Always seeking. Always loving. Even though so much have changed inside and out of me. And I still want to hear about you! I want to hear you! 

So tell me what you have been up to! Tell me about your music, about your band, what have you been creating? Any new album?

Best wishes from Brazil!

La Maya






Imagem: Waking Life (Richard Linklater, 2001)

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

"Sister, remember your name..."

Não me admira essa música estar na minha cabeça desde ontem, desde antes de eu saber realmente o que se passava... minha tia amada... minha terceira mãe... minha irmã numa dessas vidas passadas, quem sabe... mãe vivia confundindo nossos nomes, por incrível que pareça, e enquanto eu dava risadas, ouvia sempre ela dizer, em cada uma das vezes: "você e Elza só podem ter alguma ligação de uma outra vida!", e eu ria, ria... Pois hoje pedi ao meu pai que imprimisse pra mim a letra de "Miss Celie's Blues", uma das minhas músicas favoritas no mundo... e ele imprimiu também a tradução. A composição, ao que tudo indica, é de Quincy Jones. E sabe quando você canta mas não presta bem atenção ao significado da letra? Pois hoje meus olhos bateram direto na tradução. E quanta coisa de nós duas eu vi ali... até a estrada escura e solitária daquele meu sonho está ali. Eu não sei, mas já vivi tempo demais, "and I've seen a lot of suns goin' down" pra acreditar, a esta altura da minha vida, em "acasos" e em "coelhinhos da Páscoa". Por isso eu digo a você...

"Sister,
you've been on my mind
Sister, we're two of a kind
So sister,
I'm keepin' my eyes on you
I betcha think
I don't know nothin'
But singin' the blues
Oh sister, have I got news for you

I'm somethin'
I hope you think
that you're somethin' too

Oh, Scufflin',
I been up that lonesome road
And I seen a lot of suns goin' down
Oh, but trust me
No low life's gonna run me around


So let me tell you somethin' sister
Remember your name
No twister
is gonna steal your stuff away
My sister
We sho' ain't got a whole lot of time
So shake your shimmy,
Sister
'Cause honey this 'shug
is feelin' fine"


Composição: Quincy Jones
Track art
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Lyrics
Sister, you've been on my mind
Sister, we're two of a kind
So sister, I'm keepin' my eyes on you
I bet you think I don't know nothin'
But singin' the blues
Oh sister, have I got news for you
I'm somethin'
I hope you think that you're somethin' too
Scufflin', I been up that lomesone road
And I seen a lot of suns goin' down
Oh, but trust me
No low life's gonna run me around
So let me tell you somethin' sister
Remember your name
No twister, gonna steal your stuff away
My sister
Sho' ain't got a whole lot of time
So shake you shimmy,
Sister
'Cause honey I sure is feelin' 
Track art
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Lyrics
Sister, you've been on my mind
Sister, we're two of a kind
So sister, I'm keepin' my eyes on you
I bet you think I don't know nothin'
But singin' the blues
Oh sister, have I got news for you
I'm somethin'
I hope you think that you're somethin' too
Scufflin', I been up that lomesone road
And I seen a lot of suns goin' down
Oh, but trust me
No low life's gonna run me around
So let me tell you somethin' sister
Remember your name
No twister, gonna steal your stuff away
My sister
Sho' ain't got a whole lot of time
So shake you shimmy,
Sister
'Cause honey I sure is feelin' time

"Encontre uma mulher com um cérebro. Todas elas têm vaginas."

A coisa começou quando eu postei no Instagram essa imagem retirada de um perfil de arte que eu achei interessante, o @other__perspectives:


Uns curtiram, mas duas pessoas, Lara e Otávia, vieram levantar a questão do machismo implícito nesse tipo de mensagem. Então reli a frase, considerei o ponto de vista das duas e então reconsiderei o meu próprio. Segue o que foi discutido, e fica o convite para outras e outros se juntarem à roda e darmos continuidade a essa discussão saudável, que só faz contribuir com a quebra de formas engessadas de perceber e de pensar nossa sociedade, e com a abertura para visões provavelmente mais realistas, justas e saudáveis. Vamos conversar?



Eu para @tavimmonaco: Tavinha, é verdade, se formos parar pra pensar, a afirmação é de cunho extremamente machista e provavelmente remonta a épocas em que só os homens trabalhavam fora e eram remunerados, enquanto às mulheres restavam as tarefas de casa e a lida com as crianças, coisas que elas faziam (e ainda fazem) de maneira cordata e gratuita por achar que este é mesmo o seu papel na sociedade. Pouquíssimas questionavam esse "papel" lá pela década de 30, 40, 50, e a maioria acabava se submetendo a esse abuso moral, a esse estupro moral que é a crença machista de que o homem pensa mais e pensa melhor. É maravilhoso ver o pioneirismo de Marie Curie na ciência, de Amelia Earhart na aviação, na defesa dos direitos das mulheres e na literatura, de Cecília Meireles e Rachel de Queiroz na ABL, da maravilhosa Chiquinha Gonzaga como pianista e compositora, da jornalista e escritora Nellie Bly nas reportagens investigativas, com grande destaque na investigação das denúncias de brutalidade e negligência no Hospital Psiquiátrico para Mulheres na Ilha Blackwell... Mas o grande problema é que eu vejo muitas mulheres corroborando esse pensamento machista porque "homem gosta é de loira, peituda, magra", e chegam mesmo a passar por cima do seu próprio ideal de beleza pra se encaixar nos moldes daquilo que os homens vão gostar, que os homens vão aprovar, que os homens vão escolher... sabe? Eu acho essa questão toda muito complexa, porque o que antes era machismo, hoje já virou uma questão de amor próprio, de autoaceitação, de entender que "eu sou gordinha mesmo mas esse é o meu biotipo, e eu não preciso passar fome, me matar na academia por três horas diárias, desenvolver anorexia ou bulimia, mudar a cor do cabelo e dos olhos porque é assim que eles vão me aceitar e me desejar e me escolher", sabe? E daí surge a "loira burra" que na verdade passa muito longe de ser burra e só quer ser aceita e desejada dentro dos padrões que os homens estabelecem, e isso vira um ciclo doentio que vai se retroalimentando e não pára nunca. O problema de grande parte das mulheres está bem longe de ser burrice, na minha opinião. A coisa vai direto no ponto mais fraco: o coração. O amor próprio. O desejo de se encaixar em padrões estúpidos, onde peitos e bundas são colocados em pedestais. O desejo de se sentirem desejadas. Aceitas. E amadas.

E segue a conversa:

E aí, o que vocês têm a dizer sobre o assunto? Comentem!

sábado, 18 de novembro de 2017

De toadas e de redenções

Sobre quando não cabe mais tristeza dentro de você, mas de repente essa música linda chega no vento da madrugada, como o sopro de um anjo, e conforta e traz toda a esperança de que você precisa pra seguir... Não sei quem é você aí do outro lado, mas obrigada... obrigada... obrigada...

"Toada"
Boca Livre
1979

Vem, morena, ouvir comigo essa cantiga
Sair por essa vida aventureira
Tanta toada eu trago na viola
Pra ver você mais feliz

Escuta o trem de ferro alegre a cantar
Na reta da chegada pra descansar
No coração sereno da toada, bem querer

Tanta saudade eu já senti, morena
Mas foi coisa tão bonita
Da vida, nunca vou me arrepender

Morena, ouve comigo essa cantiga
Sair por essa vida aventureira
Tanta toada eu trago na viola
Pra ver você mais feliz

Escuta o trem de ferro alegre a cantar
Na reta da chegada pra descansar
No Coração sereno da toada, bem querer
Tanta saudade eu já senti, morena
Mas foi coisa tão bonita
Da vida, nunca vou me arrepender

Vem...morena.
Vem...morena.
Vem...morena.
Vem...morena.
Vem...morena.

Vem... morena, ouve comigo essa cantiga
Sair por essa vida aventureira
Tanta toada eu trago na viola
Pra ver você mais feliz

Escuta o trem de ferro alegre a cantar
Na reta da chegada pra descansar
No coração sereno da toada, bem querer


sábado, 11 de novembro de 2017

"Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver"

"Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas."
__ Machado de Assis, Memórias Póstumas de Brás Cubas

Registro meu do trabalho do fotógrafo norte americano Michael Lundgren no FIF 2015

Sabe o que realmente me incomoda? Exaspera? Entristece? É gente que se acha. Gente que se acha superior. Mais esperto. Mais inteligente. Mais talentoso. Mais capaz. Gente que acredita que flutua níveis acima do resto da humanidade. Gente que te trata feito uma mosquinha irritante daquelas que a gente abana a mão e espanta pra lá e pronto. Abuso. Isso, também, é abuso moral. Ainda que de forma velada. 

Quando morei em Belo Horizonte, em 2015, tive a grata oportunidade de ver toda a mostra do FIF (Festival Internacional de Fotografia) daquele ano, dividida entre vários espaços culturais da cidade. Neste ano, parte da mostra veio a ser exposta aqui em Ipatinga, e novamente fui ver. Registrei tudo mas ainda não tive oportunidade de postar. Bem, o fato é que em 2015 uma fotografia em específico me chamou muito a atenção. A princípio, a certa distância, pela beleza das cores e formas. Só quando me aproximei e entendi do que se tratava a imagem foi que me veio o choque, o horror, o nojo. Mas aquilo era absolutamente fascinante e eu não conseguia desviar os meus olhos da fotografia, nem por um segundo sequer. Fiquei ali, hipnotizada, presa a um limbo de horror, de beleza e de fascinação. Aquilo era a mais crua morte. Aquilo era a mais bela e cruel expressão dos ciclos da vida sobre esta terra. 

Me lembrei então das palavras de minha mãe, de nossas conversas sobre vida, espiritualidade e ciência. Se você parar para pensar, ela me disse um dia, todo o processo da morte é muito bonito. E eu disse bonito, mãe? Bonito como? Você percebe como a natureza é perfeita? Ela me perguntou. É um ciclo perfeito e muito bonito de renovação, tudo isso. O nascimento, o nosso tempo de viver, de aprender, de crescer, de criar e de amar, e então voltar à terra de onde viemos, e nosso próprio corpo já carrega em si todo o material biológico necessário para se transformar e consumir aquele corpo sem vida que já não tem mais a utilidade que tinha antes, mas que vai alimentar outras espécies de vida e auxiliar na criação de outras espécies ainda. Tudo isso num equilíbrio maravilhoso, num ciclo eterno de criação, destruição e renovação. Como o lindo deus indiano Shiva, eu pensei. O mais poderoso dentre todos os deuses cultuados pelos hindus. 

A fotografia dessa raposa morta, em estado de putrefação, crua, violenta, escancarada e em belos tons de verde faz parte da série "Matter", de Michael Lundgren, fotógrafo norte americano. Para mim, a fotografia mais bela e significativa de toda a mostra. Aquela que nos sacode, que nos desperta, que diz ei!, quem é que você acredita que é, afinal? 

Somos todos filhos da mesma Terra, todos iguais em nossas capacidades, apenas sujeitos a coordenadas de espaço e de tempo diversas e, portanto, a diferentes estágios de nossa evolução. Abaixe essa cabeça! Pare de viver em função do seu próprio umbigo! Desça desse pedestal imaginário que você construiu sobre fundações de ilusão, com argamassa de absinto e tijolos de sonho e alienação. Somos humanos, somos iguais e estamos aqui para evoluirmos juntos. E no fim de toda essa nossa existência terrena, seremos exatamente como essa raposa morta, verde e putrefata, e daremos lugar a tantos outros que ainda virão. E se tivermos muita sorte, não seremos esquecidos. Humildade. Compaixão. Amor. Estas são as "moedas de troca" que realmente possuem valor nesta vida. Quando você for essa raposa verde, todo o seu orgulho e toda a sua pose de nada terão valido a pena.

quinta-feira, 26 de outubro de 2017

A Cartomante e o inabalável Rei de Copas

Lembrança do dia.

"Cartomante"
Composição: Ivan Lins
Intprete: Elis Regina
Álbum: "Elis", 1977

Nos dias de hoje é bom que se proteja
Ofereça a face pra quem quer que seja
Nos dias de hoje esteja tranqüilo
Haja o que houver pense nos seus filhos
Não ande nos bares, esqueça os amigos
Não pare nas praças, não corra perigo
Não fale do medo que temos da vida
Não ponha o dedo na nossa ferida

Nos dias de hoje não lhes dê motivo
Porque na verdade eu te quero vivo
Tenha paciência, Deus está contigo
Deus está conosco até o pescoço
Já está escrito, já está previsto
Por todas as videntes, pelas cartomantes
Tá tudo nas cartas, em todas as estrelas
No jogo dos búzios e nas profecias
Cai o rei de Espadas
Cai o rei de Ouros
Cai o rei de Paus
Cai não fica nada.(6x)

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Picture me

"Tea for Two"
music by: Vincent Youmans 
lyrics by: Irving Caesar
singer: Jane Monheit

Oh honey
Picture me upon your knee,
With tea for two and two for tea,
Just me for you and you for me, alone!
Nobody near us, to see us or hear us,
No friends or relations
on weekend vacations
We won't have it known, dear,
That we own a telephone, dear.
Day will break and I'm gonna wake
and start to bake a sugar cake
for you to take for all the boys to see.
We will raise a family,
a boy for you , and a girl for me,
Can't you see how happy we will be.
(Picture you upon my knee)
(tea for two and two for tea)
(me for you and you for me, alone!)
(Nobody near us, to see us or hear us,)
(No friends or relations on weekend vacations)
(We won't have it known, dear,)
(That we own a telephone,)
(dear.)
Day will break and I'm gonna wake
and start to bake a sugar cake
for you to take for all the boys to see.
We will raise a family,
a boy for you, and a girl for me,
Oh can't you see how happy we will be.
(How happy we will be)


domingo, 15 de outubro de 2017

Dos caminhos

"How many roads must a man walk down?"

Estava aqui vendo uma reportagem sobre peregrinos e me perguntando se nossa fé, em algo, em Deus, no outro, em nós mesmos ou no que quer que seja, só recebe carimbo de validação se percorrermos esse ou aquele caminho, se chegarmos àquela capela, àquele templo, àquele muro, àquelas pedras, àquelas ruínas daquela incrível cidade perdida. O quanto é preciso andar para agradecer, para pedir, para se encontrar, para se perder? Quão longe é preciso ir?

Na primeira vez em que me encontrei, estava do outro lado do mundo, olhando a mão direita do Buda gigante  erguida acima do Monastério Po-Lin, em Lantau Island, uma das ilhas que formam a incrível, contrastante, louca, avançada, brilhante, colorida, apressada, insana, amada Hong Kong. Ah, ali eu me encontrei. Olhei, do alto daquele templo, a névoa que encobria as montanhas verdes, serenas, silenciosas, sagradas, e compreendi. Compreendi que aquela paz, aquela sabedoria inerente ao ar que ali eu respirava, todo aquele contentamento, tudo aquilo eu podia criar dentro de mim mesma, com jeitinho, num cantinho qualquer aqui dentro do peito e da alma.

Compreendi que meu templo está em mim, e que eu posso entrar nele enquanto ando perdida por aí numa noite de vento, enquanto toco um cacho de flores, enquanto ouço uma música e esqueço o entorno, enquanto ando pelo meu jardim procurando delicadezas e pequenos seres para fotografar, e cada um deles é outro templo, totalmente diverso, que devo respeitar. Em cada um deles, um altar. Em cada altar, um deus. Namastê. Eu vejo você.

Posso me encontrar no meu canto, na minha voz: minha oração. Ou descobrindo algo novo e fascinante: em transe. Nos versos de Sylvia e de Pessoa. No bailado de uma cigana. Nos meus olhos refletidos nos teus: deus.

Não preciso percorrer a Estrada Real ou o caminho de Santiago de Compostela, embora eu queira tanto, ainda assim. Mas sim: eu posso me encontrar nos caminhos da minha mente, das minhas sensações, enfim. Eu posso percorrer: a mim.


Fotografia: L6úcia Ramos

leve

Que os ventos
de Oyá me levem
de leve...
mas que saibam
também o momento
de me trazer
de volta ao chão.


Imagem: 
www.instagram.com/agnieszka_lorek/

Tempo, tempo, sempre, o tempo

"Go tell that long tongue liar
Go and tell that midnight rider
Tell the rambler, the gambler, the back biter
Tell 'em that God's gonna cut 'em down..."

Ano passado eu não coloquei as luzes de Natal na frente da casa. Com a correria toda, típica de final de ano, não deu tempo, não deu.

Nas férias de julho eu queria ter ido à praia, terminar de escrever um livro, fazer oferendas à mãe Iemanjá, me perder numa caminhada tranquila, com os pés na água, acompanhando a orla e sentindo a maresia no finalzinho da tarde. Surgiu trabalho extra, eu não podia deixar de pegar. Não tive tempo de ir. Também não deu.

Há duas semanas passei a ter crises de insônia por falta de certa medicação. Meus horários ficaram todos desregulados, perdi a hora da psicóloga, perdi o horário do banco, perdi o compromisso com a irmã, uma coisa atropelou a outra e até a festa de aniversário da amiga eu perdi. Compro sempre uns biscoitinhos coloridos pro cachorro da vizinha, que amo como se fosse meu. Essa semana não comprei, não deu.

Há dois dias perdi o prazo de entrega de um trabalho. Milhões de coisas na cabeça, no coração, clima tenso em casa, afastamento de uma amiga imensamente querida, falecimento do pai de outra, correria, estresse extremo beirando síndrome de burn out, joguei tudo pro alto, não deu tempo, não deu. 

Ontem fui andando até o supermercado da esquina. Tropecei em algo, parei, olhei: até partes do meu corpo agora eu estou perdendo. No chão alguma coisa brilhava, me abaixei e peguei. Não era só o brinco, mas toda a orelha direita. 

À noite fui sozinha a um bar, precisava, precisava beber, desopilar. Pois lá perdi um pedaço do fígado e uma porção mal passada de memória. Não vi o tempo passar. Voltei tarde, alguém podia me assaltar. Ah, tempo, tempo, já me tiras até o ar.

Hoje acordei e não me lembrei. De quê? Já nem sei. Levantei da cama e fui até o banheiro preparar um pouco de café. No caminho o coração caiu do peito, rolou para trás da porta, sumiu por ali. Não achei. Será que rolou para perto dos teus pés? Não sei, não sei.

Agora precisei adiantar o relógio em uma hora. Horário de verão, sabe como é. Estava aqui deitada, tentando escrever algo pelo celular, mas daqui a pouco já tenho compromisso, perdi uma hora, já não vai dar, não vai dar.

Procuro me apressar, mas as palavras começam a me faltar, a me faltar, me desespero eu sei que não vai dar. E agora já me falta, de fato, até o ar. 

Ticking away my time ran away my mind ran away my heart ran away and I think I have lost, I have lost, I have lost my way. What could I ever do, what could I ever say? 

Eu não sei,
não, eu não sei.


sábado, 14 de outubro de 2017

Exhausted...

"To have no yesterday, 
 and no tomorrow. 
 To forget time, 
 to forgive life, 
 to be at peace."

Dance Me to the End of Love

Sintonia, ou sinfonia, da noite.

"Dance Me to the End of Love"
Composição: Leonard Cohen
Intérprete: Madeleine Peyroux

Dance me to your beauty with a burning violin
Dance me through the panic till I'm gathered safely in
Lift me like an olive branch and be my homeward dove
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love
Oh, let me see your beauty when the witnesses are gone
Let me feel you moving like they do in Babylon
Show me slowly what I only know the limits of
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love
Dance me to the wedding now, dance me on and on
Dance me very tenderly and dance me very long
We're both of us beneath our love, we're both of us above
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love
Dance me to the children who are asking to be born
Dance me through the curtains that our kisses have outworn
Raise a tent of shelter now, though every thread is torn
Dance me to the end of love
Dance me to your beauty with a burning violin
Dance me through the panic till I'm gathered safely in
Touch me with your naked hand or touch me with your glove
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love
Dance me to the end of love


quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Me tira essa dor...

A gente muitas vezes acredita que é forte, que vai dar conta de tudo e, de preferência, sozinha, que a gente leva um tombinho aqui outro ali mas que vai se reerguer sempre e tudo vai ficar bem, mas por tantas vezes, quando a madrugada chega, tudo o que a gente quer é um abraço sincero e bem apertado, é saber que pode realmente contar com alguém ali e que tudo vai, sim, ficar bem. Ainda me lembro daquele difícil ano de 2015, morando em BH, namorando um belo negro equatoriano (por que essa minha tendência tão forte a me ligar com estrangeiros de todas as partes do mundo?!), falando ao celular, de frente pra ele à mesa de um café, e era tanto problema junto, e problemas de todas as ordens, que as lágrimas começaram simplesmente a escorrer pelo meu rosto sem a minha permissão, e eu continuava falando, com um olhar perdido, e quando eu olhei pra ele, ele simplesmente me olhava com a xícara parada no ar e um misto de surpresa e compaixão tão grande como eu nunca tinha visto nos olhos de ninguém antes. Ele veio até mim, tirou o celular das minhas mãos e me abraçou bem forte. E então eu desabei. E tudo o que eu conseguia dizer era "me tira essa dor... me tira essa dor... me tira essa dor..." Ah, moreno querido... I know, and you know: "you met me at a very strange time in my life"... Espero que hoje estejas bem onde estiveres. E hoje, aqui, agora, tudo o que eu precisava era de um abraço bem forte como aquele que você me deu... e de poder dizer a alguém: me tira essa dor... me tira essa dor... me tira essa dor...


terça-feira, 10 de outubro de 2017

"De repente, a gente vê que perdeu ou está perdendo alguma coisa..."


Dia das crianças se aproximando e alguns começam a se perguntar quando foi que matamos a criança que vivia e brincava dentro de nós...

Música para reflexão: "Poema", de Cazuza, musicada posteriormente ao seu falecimento. Uma das músicas mais lindas já feitas...


"Poema"
 Cazuza

Eu hoje tive um pesadelo
E levantei atento, a tempo
Eu acordei com medo
E procurei no escuro
Alguém com seu carinho
E lembrei de um tempo

Porque o passado me traz uma lembrança
Do tempo que eu era criança
E o medo era motivo de choro
Desculpa pra um abraço ou um consolo

Hoje eu acordei com medo
Mas não chorei nem reclamei abrigo
Do escuro, eu via um infinito
Sem presente, passado ou futuro

Senti um abraço forte, já não era medo
Era uma coisa sua que ficou em mim (que não tem fim)

De repente, a gente vê que perdeu
Ou está perdendo alguma coisa
Morna e ingênua que vai ficando no caminho
Que é escuro e frio, mas também bonito porque é iluminado
Pela beleza do que aconteceu há minutos atrás

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Para mi mariposa tecknicolor

Conexão
9 de fevereiro de 2009

Ando sozinha nas ruas de Kowloon, junho de dois mil e seis, Hong Kong, outro mundo e não me sinto só. As feiras, os templos, as cores, incensos, luzes. O Victoria Harbour pontilhado de ferry boats, os edifícios iluminados, nada tem fim. Passo por mil rostos parecidos, passos apressados, eu não tenho pressa. O tempo pára comigo em cada esquina, tento prendê-lo em cada foto, ele me escapa, brinco com ele. Ali do outro lado do mundo eu sei quem sou. Mil desconhecidos e sou capaz de me encontrar nas escadas do Templo Po Lin, na mão direita do Buda gigante erguida em saudação, na neblina velando as montanhas. Estou no ar puro, na paisagem vasta e calma, no meu e no teu silêncio, namastê. Atravessei meio mundo para encontrar a mim mesma, vazia de palavras, tão plena de sentido.

Meus pés descalços no asfalto, fevereiro de dois mil e nove, Brasil, procuro minha alma. Procuro minha razão, minha paixão e minha calma. Caiu pelo caminho, tenho certeza. Olho cada pedra e cada folha, as formigas sobre o pó, não me vejo sob a luz âmbar do poste que ilumina a rua. Cabelo solto, o vento, o céu de verão escurece e revela as estrelas. Respiro, sinto. O som do piano de meu pai, Für Elise, eu me lembro. Lembro quem fui, meu riso, as brincadeiras, mas sob os olhares conhecidos de agora já não sei quem sou. Misturo palavras e o sentido já não me vem. Tudo fora de lugar, eu sei, e não encontro. E esse vazio me dói tanto. Procuro conexão. Procuro olhos que não me atravessem e amores que não sejam descartáveis. Procuro uma presença que o tempo não seja capaz de me arrancar, não de dentro. Se a encontro, quem sabe encontro a mim mesma, meu porquê. Sigo descalça, angustiada, desconexa. O caminho é longo e dói. E eu sei.

Lúcia Ramos

Postado originalmente em: https://clubedosintensos.wordpress.com/


Imagem: https://www.instagram.com/lilith_ardath/

domingo, 8 de outubro de 2017

Ismália

"Ismália"
Alphonsus de Guimaraens


Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

Imagem: www.instagram.com/lilith_ardath/

"Questions of science
science and progress
do not speak as loud
as my heart."

Lady Phoenix

"Dying
Is an art
like everything else
I do it exceptionally well
I do it so it feels like hell"

Though

"Herr God, Herr Lucifer
Beware
Beware
Out of the ash
I rise with my red hair"

(Recortes do poema "Lady Lazarus", de Sylvia Plath)

Imagem: https://www.instagram.com/agnieszka_lorek/

Calling all angels...


"Calling All Angels"
Lenny Kravitz

Calling all angels
I need you near to the ground
I miss you dearly
Can you hear me on your cloud?

All of my life
I've been waiting for someone to love
All of my life
I've been waiting for something to love

Calling all angels
I need you near to the ground
I have been kneeling
And praying to hear a sound

All of my life
I've been waiting for someone to love
All of my life
I've been waiting for something to love

Day by day
Through the years
Make my way

Day by day
Through the years

Day by day
Through the years
Day by day
Through the years
Day by day
Make my way

Day by day
Through the years
Day by day
Day by day

sexta-feira, 6 de outubro de 2017

Insônia, nostalgia, sonhos


"What ever happened to Amelia Earhart..."

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I know it's a horrible, horrible joke, but maybe Amelia just listened to her heart... Earhart... ;p

Amelia, wherever you are, I want you to know that you inspire my life and the life of so many women who just decided to follow their dreams, beautiful Amelia Lady Bird! ♡