sábado, 3 de outubro de 2015

Resenha: Homem no Escuro, de Paul Auster

Resenha: Homem no Escuro, de Paul Auster
Outubro de 2015

Não sabia se escreveria ou não uma resenha sobre este livro. Não são todos os que me tocam e transformam, e que me despertam esse desejo. Não sabia se escreveria algo, até que ele me surpreendesse por sua inegável e intensa criatividade. Por sua doçura e sensibilidade. Por sua habilidade em manipular emoções. Não sabia se escreveria algo, até que minhas lágrimas acabassem por surgir, em um ou outro momento. Até sentir, por vezes, que a dor que Paul Auster descrevia era minha, e que essa dor sufocava. Até me apaixonar perdidamente à primeira vista, junto com Sonia e August. Até sentir, junto com August, que “os deuses me pregaram uma peça, e a garota por quem eu estava destinado a me apaixonar, a única pessoa que foi colocada neste mundo para dar algum sentido à minha vida, foi arrebatada de mim e lançada numa outra dimensão — um lugar inacessível, um lugar onde eu nunca teria permissão de entrar.” Até me identificar com aquele seu “poema comprido e ridículo sobre mundos paralelos, chances perdidas, as mancadas trágicas do destino. Vinte anos de idade, e eu já me sentia amaldiçoado”, só para que aquele reencontro acontecesse pouco depois, e as minhas próprias esperanças na sabedoria dessa vida fossem renovadas. Até compreender, como August, que “tem tanta coisa que nunca entendi em Sonia”, e “tem tanta coisa que nem ela entendia em si mesma.” Até conhecer a teoria do filósofo italiano Giordano Bruno sobre a possível existência de “um número infinito de mundos”, e isso muito antes de Stephen Hawking, ainda no século XVI. Até me confrontar com a ideia extremamente perturbadora de que “existem muitos mundos, e todos seguem paralelos uns aos outros, mundos e antimundos, mundos e mundos-sombra, e cada mundo é sonhado ou imaginado ou escrito por alguém num outro mundo. Cada mundo é a criação de uma mente.” E imaginar, junto com August, que “é só pensar, e isso tem toda a chance de acontecer.” Compreender, com ele, que “a verdade é que os filhos não aprendem nada com os erros dos pais”, e reforçar minha tese de que a experiência própria ainda é a nossa melhor mestra. Emocionar-me porque “durante aqueles últimos anos, Betty me contou, Gil colocava bilhetinhos de amor nas gavetas da escrivaninha dela, escondia os bilhetinhos no meio dos sutiãs, combinações e calcinhas, e toda manhã, quando ela acordava e se vestia, achava mais um bilhetinho de amor declarando que ela era a mulher mais fantástica do mundo.” E porque “Betty morreu porque estava com o coração partido. Algumas pessoas riem quando escutam essa frase, mas isso é porque elas não conhecem nada do mundo. Pessoas morrem porque estão com o coração partido. Acontece todo dia e vai continuar a acontecer, até o fim dos tempos.” E que, apesar de tudo isso, “o tesão é uma constante humana, o motor que faz o mundo girar”, e que “o mundo bizarro continua a girar” mesmo, independente dos nossos desejos e dos nossos sonhos. Até encantar-me por Katya, por ironia a segunda personagem estudante de cinema que encontro em um livro, com apenas dois meses de separação entre um e outro. Novas sugestões de filmes e de diretores, e essa lista imensa que não vai parar nunca de crescer. Até ler a segunda menção a Ozu em livros diversos, por outra das muitas coincidências desta minha vida, bem pouco tempo depois de eu ter tido contato com sua obra através de um diretor que admiro muito, Wim Wenders. Diretor que, por sua vez, teve seu trabalho bastante marcado pelos filmes desse mestre japonês, tendo inclusive parado as filmagens de “Paris, Texas” para filmar o que viria a ser uma grande homenagem a Ozu, “Tokyo Ga”. E toda essa minha gratidão pelo flerte eterno entre as várias formas de arte, entre a literatura e o cinema, e vice-versa, em que todo amante das artes se deleita como em uma imensa cama de veludo vermelho repleta de prazeres. E toda essa minha identificação com Noriko, personagem de um filme de Ozu muito admirado por August e Katya, “essa jovem que sofreu em silêncio por tanto tempo, essa boa mulher que se recusa a acreditar que é boa, pois só os bons duvidam de sua bondade, o que é exatamente aquilo que, antes de tudo, os torna bons.” Porque “os maus sabem que eles são bons, mas os bons não sabem de nada. Passam a vida perdoando os outros, mas não conseguem perdoar a si mesmos.” E, de fato, não conseguem. Não consigo. E toda essa guerra acontecendo lá fora, e aqui dentro ao mesmo tempo. Toda essa guerra que nos deixa acordados, no escuro, muitas vezes sem conseguir dormir. inventando histórias que nos sejam minimamente mais suportáveis do que toda essa nossa realidade louca. Toda essa madrugada escura que desperta o pior em nós, os piores sentimentos que, muitas vezes, só se vão quando aquele primeiro pássaro emite o seu primeiro som do dia, ali naquela árvore, bem ao lado da nossa janela. E a vida então renasce, as esperanças renascem, e precisam renascer, porque afinal esse “mundo bizarro continua a girar.” E girar, e girar.

Homem no Escuro foi, de longe, um dos melhores, mais densos, mais sensíveis e tocantes livros que eu li em muito tempo. Criativo, surpreendente, curioso, doce, sensível, triste, arrebatador, pesado, forte, áspero e dilacerante como a vida. Como toda vida. Não há como ler esta história e não sair dela transformado e amadurecido, da maneira como eu saí. Desde já, neste meu primeiro contato com sua obra, considero-me uma grande fã de Paul Auster.

“Toque em mim, alguém, toque em mim. Ponha a mão no meu rosto e fale comigo...”

Toque em mim. Antes que o peito pare. Antes que a luz da mente se apague. E que tudo seja fim.

Toque em mim.

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