segunda-feira, 9 de outubro de 2017

Para mi mariposa tecknicolor

Conexão
9 de fevereiro de 2009

Ando sozinha nas ruas de Kowloon, junho de dois mil e seis, Hong Kong, outro mundo e não me sinto só. As feiras, os templos, as cores, incensos, luzes. O Victoria Harbour pontilhado de ferry boats, os edifícios iluminados, nada tem fim. Passo por mil rostos parecidos, passos apressados, eu não tenho pressa. O tempo pára comigo em cada esquina, tento prendê-lo em cada foto, ele me escapa, brinco com ele. Ali do outro lado do mundo eu sei quem sou. Mil desconhecidos e sou capaz de me encontrar nas escadas do Templo Po Lin, na mão direita do Buda gigante erguida em saudação, na neblina velando as montanhas. Estou no ar puro, na paisagem vasta e calma, no meu e no teu silêncio, namastê. Atravessei meio mundo para encontrar a mim mesma, vazia de palavras, tão plena de sentido.

Meus pés descalços no asfalto, fevereiro de dois mil e nove, Brasil, procuro minha alma. Procuro minha razão, minha paixão e minha calma. Caiu pelo caminho, tenho certeza. Olho cada pedra e cada folha, as formigas sobre o pó, não me vejo sob a luz âmbar do poste que ilumina a rua. Cabelo solto, o vento, o céu de verão escurece e revela as estrelas. Respiro, sinto. O som do piano de meu pai, Für Elise, eu me lembro. Lembro quem fui, meu riso, as brincadeiras, mas sob os olhares conhecidos de agora já não sei quem sou. Misturo palavras e o sentido já não me vem. Tudo fora de lugar, eu sei, e não encontro. E esse vazio me dói tanto. Procuro conexão. Procuro olhos que não me atravessem e amores que não sejam descartáveis. Procuro uma presença que o tempo não seja capaz de me arrancar, não de dentro. Se a encontro, quem sabe encontro a mim mesma, meu porquê. Sigo descalça, angustiada, desconexa. O caminho é longo e dói. E eu sei.

Lúcia Ramos

Postado originalmente em: https://clubedosintensos.wordpress.com/


Imagem: https://www.instagram.com/lilith_ardath/

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