domingo, 15 de outubro de 2017

Dos caminhos

"How many roads must a man walk down?"

Estava aqui vendo uma reportagem sobre peregrinos e me perguntando se nossa fé, em algo, em Deus, no outro, em nós mesmos ou no que quer que seja, só recebe carimbo de validação se percorrermos esse ou aquele caminho, se chegarmos àquela capela, àquele templo, àquele muro, àquelas pedras, àquelas ruínas daquela incrível cidade perdida. O quanto é preciso andar para agradecer, para pedir, para se encontrar, para se perder? Quão longe é preciso ir?

Na primeira vez em que me encontrei, estava do outro lado do mundo, olhando a mão direita do Buda gigante  erguida acima do Monastério Po-Lin, em Lantau Island, uma das ilhas que formam a incrível, contrastante, louca, avançada, brilhante, colorida, apressada, insana, amada Hong Kong. Ah, ali eu me encontrei. Olhei, do alto daquele templo, a névoa que encobria as montanhas verdes, serenas, silenciosas, sagradas, e compreendi. Compreendi que aquela paz, aquela sabedoria inerente ao ar que ali eu respirava, todo aquele contentamento, tudo aquilo eu podia criar dentro de mim mesma, com jeitinho, num cantinho qualquer aqui dentro do peito e da alma.

Compreendi que meu templo está em mim, e que eu posso entrar nele enquanto ando perdida por aí numa noite de vento, enquanto toco um cacho de flores, enquanto ouço uma música e esqueço o entorno, enquanto ando pelo meu jardim procurando delicadezas e pequenos seres para fotografar, e cada um deles é outro templo, totalmente diverso, que devo respeitar. Em cada um deles, um altar. Em cada altar, um deus. Namastê. Eu vejo você.

Posso me encontrar no meu canto, na minha voz: minha oração. Ou descobrindo algo novo e fascinante: em transe. Nos versos de Sylvia e de Pessoa. No bailado de uma cigana. Nos meus olhos refletidos nos teus: deus.

Não preciso percorrer a Estrada Real ou o caminho de Santiago de Compostela, embora eu queira tanto, ainda assim. Mas sim: eu posso me encontrar nos caminhos da minha mente, das minhas sensações, enfim. Eu posso percorrer: a mim.


Fotografia: L6úcia Ramos

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