Escrevi outro dia, de
maneira não tão original, vim a saber, e movida por motivos bem pessoais,
confesso, sobre a necessidade que a maior parte das pessoas tem de se encaixar
em moldes sociais predeterminados. Mas existe uma outra parcela que tem um medo
extremo de pensar, e especialmente de demonstrar que pensa, qualquer coisa
igual ou parecida ao que a maioria das pessoas pensa. Vejo muito acontecer em
redes sociais, em postagens que procuram fugir a todo custo dos moldes
tradicionais, em opiniões expressas em postagens de conteúdo popular, e até em
conversas com amigos. Isso, também, aprisiona.
A “manada” pode ser tão alienante
quanto o desejo de escapar totalmente a ela. Pode-se estar cego, ou vir a
fazer-se cego, ainda que de maneira não intencional, tanto seguindo a corrente
quanto nadando em direção às margens. O medo que aqueles que fazem parte da
corrente têm de não pertencer é tão medo quanto o medo de pertencer demais, e
de não se destacar. É medo. E todo medo aprisiona. Todo medo nos torna cegos.
A mim parece que a opção
mais saudável e interessante, aquela que vai nos permitir aproveitar tanto os
benefícios da corrente quanto os dos extremos, e nos colocar em uma posição
realmente privilegiada de observação e de análise tanto de um quanto de outro,
é encontrar um meio termo e desenvolver uma certa permeabilidade entre os
extremos e tudo aquilo que hoje é considerado mainstream. É parar de ter medo do que é massivo. E é parar de ter medo dos extremos. Em
todos os aspectos da nossa vida. É fazer-se livre. Tão livre quanto ainda se
pode ser neste nosso mundo.
Eu já acho que tenho uma
permeabilidade excessiva e que também não é ideal e nem muito saudável, mas
esse é o meu ponto de partida pessoal, o meu caminho. Cada um tem o seu ponto
de partida. E de fato eu não sei. Não sei tudo o que deveria saber, ou o que os
outros acreditam que eu deveria saber. E isso é ótimo, perceber que não cheguei
a um tipo qualquer de posição lamentavelmente estagnada e cheia de certezas, e
que eu posso, com alívio, seguir em movimento, e em aprendizado constante.
Porque não há nada nesta vida que me dê tanto prazer: estar em movimento
constante, físico e mental, e aprender e evoluir sempre. Sempre.
Por conta dessa
permeabilidade, e de um perfil extremamente auto-analítico, com grande
frequência vejo-me defendendo apaixonadamente alguns pontos de vista que acabo
vindo a reconsiderar no dia seguinte, de cabeça mais fria. Como foi o caso de
muitos pontos defendidos no meu último texto, Parem Este Mundo Perfeito Que eu Quero
Descer. É claro que precisa haver uma medida saudável das coisas para que um
progresso real e duradouro ocorra, e para que o mundo não seja caracterizado
pelo caos. É preciso haver ordem. É preciso haver saúde e equilíbrio. Mas vejo
esse texto muito mais como um grito de socorro de uma minoria na qual me
incluo. E é desta maneira que ele faz para mim todo o sentido.
Esta instabilidade em
certo grau, esta excessiva fluidez e inconstância de pensamento que sempre
foram uma marca da minha maneira de ser, apesar da personalidade forte que meus
pais perceberam em mim desde muito pequena, sempre me deixou algo perdida e
muitas vezes impaciente comigo mesma. Mas, há poucos dias, assistindo a um
programa da tevê aberta, afinal a “manada” pode ser uma opção saudável em
vários momentos, ouvi uma frase que me fez relaxar em relação a tudo isto. A
frase é do poeta francês Paul Claudel. Aquele mesmo, o irmão da Camille. E diz
o seguinte: “Reservo-me, com firmeza, o direito de me contradizer". Ora, o
que é contradizer-se senão ter a coragem e a disposição de lançar-se demoradamente
sobre um mesmo assunto e considerar todas as suas possibilidades, buscando uma
maneira mais adequada de lidar com toda a questão?
Essa inconstância,
confesso, já me constrangeu bastante na faculdade. Lembro-me das orientações
dos professores para os trabalhos que fazíamos, e das opiniões que eu dava aqui
e ali. Acontece que um dia calhei de pegar orientações de uma professora com o
mesmo perfil auto-analítico, que se dispôs a considerar as próprias opiniões em
relação às minhas, e acabou concordando em um ponto meu. Quando ela enfim
concordou, eu surgi com uma opinião diversa, porque a minha cabeça já tinha
dado outras mil voltas em torno do assunto. Ela acabou se irritando e me
perguntando “você está me desautorizando?” E como explicar, no calor do
momento, que aquilo era uma característica minha, e não uma posição de afronta
proposital em relação à pessoa e às ideias dela? Eu, que sempre tive o lado
emocional muito forte também? Corei apropriadamente, me enrolei para pronunciar
aquele “não”, e achei por bem ficar mesmo com a ideia anterior, com a qual nós
duas havíamos concordado. Hoje vejo que nos estranhamos justamente por sermos
tão semelhantes.
Que sejamos capazes,
enfim, de identificar as prisões que nos cercam, ou que estão prestes a nos
cercar, e de não vendarmos nossos olhos nem à cultura das massas, e nem à
cultura que cresce e se desenvolve nas margens. E que tenhamos sempre a coragem
de reconsiderar nossos pensamentos e atitudes, procurando uma versão cada vez melhor
de nós mesmos.
"Eu prefiro ser essa
metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião formada
sobre tudo"
Raul Seixas
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