terça-feira, 3 de novembro de 2015

Loucura, feminismo e formas de poder

“Não há civilização sem loucura
[…] ela acompanha a humanidade
por todo lugar que haja imposição de limites”.
– Michel Foucault

Excelente texto e análise de Daniela Lima sobre o conceito de loucura relacionado a formas de poder, e sobre a vida e a arte da escultora Camille Claudel, amante de Rodin e irmã do poeta Paul Claudel. Camille passou os últimos 29 anos de sua vida internada como esquizofrênica numa clínica, afastada de sua arte e de suas paixões. Tive o prazer de ver o filme sobre sua vida, há vários anos, e de visitar há algum tempo atrás uma exposição preciosíssima com algumas obras do mestre Rodin, com muitos de seus trabalhos fortemente influenciados por Camille, ou mesmo criados em conjunto com ela, que jamais assumiu a coautoria de tais trabalhos. Daniela Lima nos traz reflexões extremamente lúcidas e pertinentes sobre a loucura tratada como uma ameaça às formas de poder, e sobre estas mesmas formas de poder sendo utilizadas para manter as mulheres sob um forte controle. Questão ainda muito atual, especialmente num tempo em que nunca se falou tanto sobre o feminismo. Gostaria de poder destacar várias passagens do texto de Daniela, mas vou citar só algumas:

"Loucura não é tudo aquilo que age contra a natureza. É tudo aquilo que desnaturaliza formas de poder."
"Essa demarcação das fronteiras da normalidade é usada para limitar quais são as experiências possíveis para mulheres. A questão da normalidade (ou de como ela se transforma em mecanismo do poder) não é puramente teórica: é parte da nossa experiência. (...) Quando Camille transgrediu os estereótipos de gênero de sua época, revelou mecanismos de poder que fabricam esses estereótipos. Era um exemplo perigoso para outras mulheres. Portanto, tentaram “corrigir” violentamente sua anormalidade. O que define o anormal é que ele constitui, em sua existência mesma, a transgressão de leis invisíveis da sociedade, leis que são naturalizadas. (...) O anormal desafia aquilo que é demarcado como impossível e proibido. se a normalidade é um mecanismo do poder, o enclausuramento, a vigilância, o sistema recompensa/punição, e a hierarquia piramidal são algumas formas de normalização. Reduzir a humanidade de alguém para que ela caiba num determinado estereótipo de normalidade é, por fim, uma forma de governo."
"A loucura é um saber, algumas vezes fechado, inacessível, inquietante. Um saber que desafia o poder. Loucos são cada vez mais aqueles que ameaçam a conservação do poder."

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