Perdoem
a sutil referência a Douglas Adams. Risos. A intenção não é indicar um de seus
livros, mas um texto muito interessante que acabei de ler. Abri o link (no fim
da postagem) meio sem vontade, quase certa de que veria um texto mediano qualquer,
infestado por lugares comuns, ideias superficiais fazendo cara de profundas e
frases pretensiosas querendo nos dar a direção certa na vida. Que bom que
estava errada. O texto de Victor Lisboa é um dos melhores que li nos últimos
tempos. As referências a trabalhos de Thomas Ligotti, Albert Camus, Becker e
Jung me surpreenderam, além das referências interessantes a True Detective e a
Irmãos Karamazov, que quero muito ver/ler. As ideias que esse texto nos
apresenta nos tiram o conforto e a paz, fazem refletir. Uma reflexão cruel, de
fato, mas muito interessante e, eu diria, necessária. E Victor finaliza
lindamente, colocando seu próprio senso crítico a favor do tema e de todas as
questões levantadas, expondo uma concepção de existência, sentido e evolução
com a qual eu me identifico profundamente. Indico muito esse texto a todos os amigos e leitores corajosos, dispostos a se arriscarem em direção a linhas de
pensamento que não são usuais, dispostos a questionarem sua própria visão de
mundo, ainda que se mantenham firmes em seus conceitos. Coisa de que eu duvido
um pouco. Afinal, “a mente que se abre a uma nova ideia jamais
voltará ao seu tamanho original."
Quanto
às ideias dos ditos filósofos pessimistas e quanto à perspectiva de que nossa
consciência pretensamente superdesenvolvida seria um erro da natureza, levanto
algumas questões. Quem é que garante, por exemplo, que aquilo que eventualmente
consideramos uma anomalia não seria de fato a regra, ou algo inerente a ela e à
sua evolução? O quanto realmente conhecemos de nosso próprio universo para
afirmar com certeza qualquer coisa a respeito de anomalias, especialmente em
relação ao reino do abstrato? Em relação a um amplo, irrestrito uso das
palavras “ilusão” e “realidade” ao longo do texto, levanto ainda outras
questões. Qual é a medida do real? Em que realidade esse grupo de filósofos se
baseia para desenvolver seus questionamentos e suas teorias? Quem é que, em
todo o mundo conhecido, seria capaz de efetivamente definir a palavra
“realidade”? Quem pode dizer o ponto exato em que saímos dos limites da ilusão
dos sentidos e entramos numa pálida e imperfeita concepção de realidade? Será
que existe mesmo uma separação?
Alguns
trechos muito interessantes do texto de Victor:
“(...) o
problema não é a verdade que não conseguimos ver, por estarmos distraídos
graças a um sistema social produtor de ilusões coletivas. O embaraço está no
fato de que nossos antepassados decidiram, equivocadamente (e precisamos
respeitar o medo que motivou esse erro), lidar com essa verdade simplesmente por
meio da sua negação, da cegueira, e assim construíram uma sociedade cujos
valores e alicerces estão baseados na ilusão.”
“Pior
ainda, sabemos que não há apenas uma criança. Sabemos que incontáveis crianças
foram e são agredidas, abusadas, violentadas e submetidas às mais diversas
formas de injustiças e violências desde que o mundo é mundo. Não é nem preciso
ser versado em história da humanidade. Basta abrir o jornal para ver que se
trata de um coral sinistro de prantos e gritos infantis, ecoando pelo breve
tempo em que o universo, silencioso e gracioso com suas rochas planetárias e
bolas de gases incandescentes, testemunha a insignificante presença humana.”
E ainda:
“(...) E
o ego é aquela parte de nós que, desenvolvendo-se a partir do instinto de
sobrevivência animal, fala sempre ‘eu, eu, eu, eu eu’. É aquela parte em
nós que mede todas as coisas do mundo segundo si próprio, que alimenta
continuamente a ilusão sobre sua auto-importância, e que facilmente abraça a
ideia de que se é alguém especial, um ser único, possivelmente eterno.”
Cabe
aqui uma breve defesa do ego. Risos. Vamos perdoar e pegar leve com o ego, essa
ferramenta tão necessária à nossa evolução! Afinal, só somos capazes de
perceber, processar, interpretar e reagir à vida através de um único ponto de
observação, através de um único receptáculo, o único que nos foi dado: nosso
próprio ser. Não é fácil transcendê-lo e procurar compreender verdadeiramente
todos os demais pontos, elaborando a partir daí todo um sentido para esse
conjunto. Nesse sentido, somos todos guerreiros. E estamos no caminho. Se é o
caminho certo ou não, espero que um dia venhamos a saber.
E já que
citaram Shakespeare em função dessa visão de que “a vida é uma história contada por um
idiota, cheia de som e fúria, nada significando”, gostaria de rebater
utilizando uma outra frase, do próprio Shakespeare, de que sempre gostei muito:
“Há mais
coisas entre o céu e a terra do que supõe nossa vã filosofia.”
Texto de
Victor Lisboa ("A vida tem sentido?") aqui.
Nenhum comentário:
Postar um comentário